26 novembro 2009

u-Carbureto

Terça-feira passada o Helder Herik lançou seu segundo livro de poemas. As Plantas Crescem Latindo foi confeccionado em São Paulo e leva o Selo u-Carbureto. O evento aconteceu no SESC que tem sido um bom parceiro, principalmente depois da criação do seu Laboratório de Literatura, espaço reservado para uma boa conversa se o assunto for literatura. Lá já esteve o Raimundo Carrero fazendo a sua Oficina e há promessas de outros encontros. No lançamento das Plantas tivemos também o lançamento do Selo u-Carbureto que já foi nome de jornal literário e agora é o nome de um projeto ousado que tem como objetivo fazer o papel que as grandes editoras negligenciam em nome dos apelos do mercado. Não é apenas o de publicar autores como Helder que reside longe dos grandes centros – e é bom salientar que grande centro é Rio e São Paulo – mas o de publicar bons trabalhos e mostrar que mesmo longe do eixo “civilizado” há vida literária e, quem sabe, boas surpresas.

04 novembro 2009

2012

Há numa cena do filme Amadeus um episódio interessante. No final da apresentação de uma das peças de Mozart, não me lembro qual, todos esperam batidas fortes dos instrumentos anunciando o fim, mas diferente disso, as notas lentamente se calam. Sem gran finale ou apoteose. Mozart espera o reconhecimento de sua originalidade, mas ao invés disso, é questionado por aquele final sem graça e sem sentido.

O que isso nos diz? Que as pessoas são assim, elas buscam sentido e ordem em tudo. Aquilo que tem começo precisa ter um fim. É essa, talvez, a razão por que damos tanto crédito aos vaticínios de fim de mundo. O fim do mundo anunciado centenas ou milhares de anos atrás estabelece um nexo de ordem no caos. Outra razão, que tem tudo a ver com a primeira, é uma pretensão que alimentamos em torno do que somos e do que representamos. Creditamos a nós mesmos uma importância de protagonistas do universo. Assim como os judeus, nos sentimos o povo escolhido. Montesquieu traduziu nossa natureza numa passagem do seu Cartas Persas, no livro ele diz que mesmo que a imortalidade da alma fosse um erro, sentiria não crer nela porque o satisfaz a idéia de ser tão imortal quanto Deus. Ele chamava aos ateus de os verdadeiros humildes.

Não creio que o mundo vá acabar em 2012, mesmo sendo isto um vaticínio da ciência e religião juntas. Dizem que um dos calendários Maia acaba na data correspondente ao nosso 21 de dezembro de 2012. tampouco por isso. Mas não sou radical, acho que um dia algum cataclismo vai extinguir da face da terra a aventura humana, mas quando isso acontecer, não vai ser anunciado, vai ser num dia como qualquer outro, um domingo à tarde de sol e boas recomendações meteorológicas. Vai nos pegar a todos desprevenidos e vamos todos, com nossas caras espantadas, perecer como sempre existimos, sem o menor sentido.

10 outubro 2009

nobel

Herta Müller, 56 anos, é o mais novo prêmio Nobel de literatura. A mulher veio dos cafundós do Juda e a melhor coisa que li a respeito de sua produção é que é uma escrita simples. Não sei até que ponto isso pode constituir um elogio. Isso quer dizer que uma escrita complexa não presta? É por isso que Borges nunca ganhou, e olha que ele esperou que só pelo prêmio, morreu com quase noventa anos e eu acho que se não fosse essa espera prolongada, se não fosse a esperança que mantinha incólume, afinal diziam que ele era a maior expressão literária do século XX. Se não fosse esse monte de equívocos, menos o de que era um bom escritor, acho que ele teria morrido antes, em paz consigo mesmo, sem mais desgaste, um bom ateu e pessimista digno.

Mas o critério do prêmio Nobel sempre me pareceu uma coisa cretina. Mas cretina no mais profundo sentido do termo. Tive certeza disso quando eles anunciaram o prêmio a Dario Fo, em 1997. Esse imbecil e completo desconhecido e laureado pelo Nobel que logo logo vai desaparecer quase tão rápido quanto aquele escritor que Drummond chama de gauche e que publicou seu livro de contos por uma gráfica, sem selo nem código de barras. Esse Dario Fo de quem a única coisa boa que sabemos é que é viado, escreve umas peças de teatro e o mérito delas, segundo a justificativa do prêmio, é que defendem a dignidade dos oprimidos do flagelo dos déspotas. Primeiro que oprimido nenhum tem dignidade e mesmo que tivesse isso é lá justificativa para se avaliar as qualidades de um texto? Quer dizer que basta isso, ter boas intenções? Mas não é de boas intenções que o inferno está cheio?

A verdade é que o prêmio não está interessado no valor do escritor. Entre a grande maioria dos laureados, com exceção de um Thomas Mann, de um Faulkner e outros, o critério sempre está subordinado a questões muito mais de ordem política do que literária. Mesmo o Thomas Mann que eu citei, teve a legitimação do prêmio não pelo valor literário da obra, mas por sua postura de escritor contrária ao Nazismo. E se muitos ganharam o prêmio por suas escolhas políticas porque apoiavam o Comunismo, por exemplo, como uma força de reação ao poder do grande capital e da injustiça social, hoje que a verdade veio à tona e o Regime de Lênin e Stalin se confunde com uma ditadura anacrônica da América do Sul, Herta Müller é laureada e tem o reconhecimento do prêmio pela sua escrita simples e sua postura ideológica contrária ao Comunismo.

29 setembro 2009

Literaturas

Eu gosto de literatura que desafia a inteligência do leitor, afinal sou leitor de Osman Lins e houve um tempo na minha vida que precisei exorcizar o Guimarães Rosa. Também gosto do Samuel Beckett, não o do Como É, mas de Malone morre e os outros da trilogia, além das Novelas (excelentes) e Primeiro Amor que li e reli na edição da Cosac. Também sou leitor de Borges e Faulkner e por ai – se não vou parecer pedante – você percebe que sou um leitor pelo menos razoável. Mas, de vez em quando me deparo com um desses escritores que a crítica consagrou como monstro e coisa e tal e quando estou lendo começo me sentir culpado e infeliz quando percebo que não estou gostando ou não estou entendendo nada. E o engraçado é que também me sinto culpado e infeliz quando leio um autor que faz o caminho inverso, uma literatura que poderíamos chamar – Rodrigo Lacerda chamou – de conservadora do ponto de vista formal, e percebo que aquele livro, livrinho em que aparentemente não há nenhuma preocupação com estilo e o autor parece apenas preocupado em contar uma boa história, está me dando um enorme prazer. Tudo bem que tem o Philip Roth que pode ser muito bem enquadrado no perfil de escritor conservador, e há também o Cormac McCarthy que não é propriamente um experimentalista, e o Jorge Amado, Rubem Fonseca, Mário Vargas Llosa etc. Então fico me perguntando: por que a crítica se comporta assim, por que medir o valor de um livro concedendo-lhe maior ou menor mérito a partir do grau de parentesco que ele estabelece com Finnegans Wake?

23 setembro 2009

dois contos dA Razão Selvagem

Em Redes há um jogo interessante com o termo e suas variantes. É a rede onde a personagem se balança. A rede ou teia da aranha, mais tarde comparada com a clínica, outra rede, onde ele e os outros internos estão presos como insetos. É o monólogo de um louco. Ele está numa clínica, balança-se numa rede e faz comentários a respeito do ambiente além de descrever os volteios de uma aranha que se move carregando sua pata morta. Não fosse a constatação da loucura, eu diria que estamos diante de um personagem saído de um livro de Beckett.

A aranha carrega em si a impossibilidade de caminhar livremente. O obstáculo que se interpõe entre a aranha e seu percurso é essa perna morta, o peso morto, uma suprema dificuldade que a aranha não pode prescindir, assim como a loucura dele que o prende à clínica. A personagem, em primeira pessoa, sofre de esquizofrenia e é a influencia da doença, a lógica do doido, que dá o ritmo do conto. Ele se refere a vozes, teme ser aborrecido por alguém que não conhecemos e menciona a intenção de derrubarem a clínica. Seu único lampejo de lucidez é perceber que é de todos aqueles iguais a ele, o único a não receber visita naquele dia de visitas.

Em Apartamentos um cara depois de atingir certa condição financeira se põe a considerar a possibilidade de investir no ramo imobiliário. Antes disso, porém, resolve viajar e em suas viagens fotografa cidades vazias. Quando retorna monta uma exposição das fotografias e publica um álbum com uma seleção das melhores fotos. Não obtém sucesso nem com a exposição nem com o livro. Arruinado, vende o apartamento onde morava e passa a ocupar um pequeno quarto no apartamento da irmã. Meses depois, parece que num táxi – na verdade não sabe precisar –, surge a obsessão de fotografar apartamentos vazios. A imobiliária não desconfia de seu verdadeiro propósito, fornece-lhe as chaves dos apartamentos e ele passa a visitá-los levando consigo sua Pratika.

Mas os apartamentos, embora fechados, contêm os barulhos da rua e em todas as incursões ele sempre se depara com alguém. Há um pai e uma filha, cada um apresentando o outro como louco. No final resta ao leitor alguma dúvida sobre a quem atribuir menos sanidade.

Em outro apartamento, uma mulher bate à porta, talvez alguém interessado pelo imóvel. Eles não se conhecem e em poucos minutos estão entregues aos prazeres do corpo numa situação muito próxima ao animalesco. Mais tarde ele vai se lembrar dela e se masturbar para preencher sua falta.

A busca pelo apartamento vazio se revela mais uma identificação pelos espaços vazios do que mera idiossincrasia de artista. No final, não há um sentido, uma lógica, só há o vazio impossível de preencher.

15 setembro 2009

quem já leu Francisco de Morais Mendes?

A primeira vez que ouvi falar de Francisco de Morais Mendes, foi na Livraria Cultura, durante o último festival de literatura do Recife. Fernando Monteiro dividia a mesa com Rogério Pereira, editor do Rascunho, e entre uma coisa e outra aquilo de que mais me lembro foram as reclamações de Fernando sobre o desinteresse das editoras do Brasil em editar literatura de boa qualidade e o nível de ignorância dos leitores.

Quem já leu Francisco de Morais Mendes? No meio das várias pessoas emudecidas lá estava eu. Fiquei curioso e comprei pela internet o livro de contos, segundo Fernando Monteiro, uma das melhores coisas já editadas no Brasil. Mas não foi fácil. Não encontrei no site da Cultura nem em qualquer outra livraria. Não constava no catálogo nem como esgotado. E depois de procurar com a ajuda de Helder, encontrei num sebo de São Paulo. A edição, em bom estado, de 2003, custou-me cinco reais e a razão porque não encontrei nas livrarias eu entendi logo que o livro me foi entregue pelo correio. A editora do livro, ciência do acidente, é pequena, talvez nem exista mais e seu poder de distribuição do livro parece que não ultrapassou os limites da região sudeste.

a razão selvagem é composto de sete contos, sendo dois deles, a crítica da razão selvagem e um diário para SD, os mais volumosos, trinta páginas mais ou menos.

Nos sete contos o autor nos apresenta uma galeria de personagens marcadas por uma espécie de auto-exílio. São incapazes de se comunicar. Incapazes de se relacionar e sofrem de alguma compulsão ou obsessão que expressam seu mal estar e deslocamento do mundo. Esse aspecto de paranóia, entretanto, tão comum em alguns escritores americanos como Pynchon, DeLillo e Paul Auster com quem Francisco Mendes certamente dialoga, não foi o que mais me chamou a atenção em a razão selvagem, mas a maneira como as histórias se estruturam, partindo de um núcleo central e nos levando não a situações incomuns como faz Cortázar, mas aos desdobramentos de situações comuns.

Aspereza e densidade são dois adjetivos que cabem muito bem para classificar a prosa desse mineiro que faz uma literatura na contramão de livros fáceis e campeões de vendas que tanto agradam aos leitores medianos e irritam o Fernando Monteiro.

31 agosto 2009

novos valores

Parece que duas coisas em Felice foram responsáveis em causar profunda impressão em Kafka. Uma delas de ordem prática. Felice era capaz de fazer tudo numa velocidade inconcebível para Kafka. Coisas como mudar de roupa, por exemplo. A outra, numa ordem também prática, porém com implicações no espírito, era o hábito de ler até as quatro horas da manhã. Se uma tinha o poder de inquietá-lo porque o fazia sentir-se diferente já que não se imaginava capaz de tal prodígio – Kafka, segundo Elias Canetti, fazia tudo partindo de um processo extraordinariamente lento – a outra causava inquietação a medida que lhe revelava uma completa identificação. Ao longo de cinco anos os dois desenvolveram uma correspondência que quando publicada, 43 anos depois da morte de Kafka, rendeu um volume de 750 páginas.

As cartas – que também são a gênese de O Processo, o romance – inspiraram um interessante ensaio de Elias Canetti. Mas não é dele que desejo falar, se o mencionei foi para citar o volume da correspondência. Parece-me que nos dias atuais tal troca de cartas, motivada pelo amor e literatura é talvez incompatível com o estilo de vida que levamos. Não falo só da correria, mas de novos valores que ao longo das décadas incorporamos e que ditam nosso comportamento. A mídia visual e os desdobramentos do Capitalismo talvez sejam os maiores responsáveis. A televisão está quase sempre associada a alienação e emburrecimento – lembram da música do Titãs? – e as novas tecnologias compradas pelo dinheiro instam no homem a necessidade pelo conforto e abrem um leque de possibilidades no campo do entretenimento. O resultado disso é um gosto pelo mediano e uma paixão pelo imediatismo. A maioria dos jovens que conheço vive como se fosse morrer no final da semana. E não estou falando em Epicurismo. Nada a ver com aproveitar ao máximo a experiência que nos proporciona o dia. Parece que nesse novo mundo a obra literária passa por esquisitice do passado. Imagino uma primeira edição de um livro de contos, foi o último publicado depois que os ebooks dominaram o mercado até serem substituídos por jogos sofisticadíssimos de vídeo game. O livro está exposto numa galeria de museu. Há um grupo de pessoas curiosas e todos concordam quando alguém manifesta sua perplexidade: Como é que as pessoas antigamente encontravam tanta paciência?

Não há mais correspondência. Sobre o que precisamos conversar? Meu vizinho é meu inimigo. O serviço dos correios é muito útil para fazer chegar a nossas casas as compras dos cartões de crédito. Muitos vaticinam o fim das lojas como as conhecemos. Parece que é próximo o dia que não precisaremos mais sair de casa. Afinal é grande a violência lá fora. Já fazemos isso para nos relacionar. Nesse universo, portanto, ler um poema parece algo fora de propósito, uma perda de tempo. Então não lemos. Os mais responsáveis se orgulham de seu pragmatismo e não perdem tempo com nada que não possa ser trocado em dinheiro. Oscar Wilde não causaria frisson nenhum se dissesse hoje que toda arte (literária) é completamente inútil.

24 agosto 2009

fernando monteiro e as editoras

Acabei de ler o artigo do Fernando Monteiro no Rascunho. Acho que muita gente deve achar que ele é um despeitado já que reclama tanto das editoras que não publicam seus poemas para leitores inteligentes. Mas, apesar de toda antipatia, acho que ele tem alguma razão.

Vamos esquecer o despeito e fazer vista grossa para essa coisa de ficar discutindo o óbvio como se o fato de não existir bons leitores fosse uma novidade. É claro que não há. Ele cita Osman Lins, Saer e Roberto Bolanõs. Já faz muito tempo que escritores como os citados são lidos apenas por escritores.

É claro que a editora tem que se preocupar com dinheiro. Sem dinheiro não há editoras. Por mais que muita gente possa achar que não, mas é de mercado o que estamos falando, e editoras são empresas que visam o lucro, caso contrário, fecham as portas.

Talvez o Fernando seja mais exigente do que eu e por certo é mais erudito etc. Mas na minha ignorância eu estava até otimista. Nos últimos três, quatro anos venho adquirindo bons livros recém editados como os livros da coleção Prosa do Mundo da Cosac Naify. Autores como Beckett, Babel, Elias Canetti e Pavese – inclusive sua poesia. Henry James e Melville estão tendo um tratamento todo especial e foi a Cosac que publicou pela primeira vez no Brasil traduções de dois contistas incríveis; o Julio Ramón Ribeyro e o Felisberto Hernandez, além de Bioy Casares. Também o Faulkner recebeu tratamento especial, suas Palmeiras Selvagens, O Som e a Fúria e Luz em Agosto estão bem editados, com traduções recomendadas. Fui apresentado a Alan Paus e Vila-Matas pela Cosac. Eu poderia continuar falando em Flannery O´Connor e Virgínia Woolf, além de Ferenc Molnar e os seus Meninos da Rua Paulo que li numa edição bem velha, editada nos anos 60, se não me engano, pela Saraiva. Foi uma felicidade encontra-lo reeditado pela Cosac Naify. E isso sem contar os brasileiros como Ronaldo Correia de Brito, Rodrigo Lacerda, Marçal Aquino, Davi Arrigucci Jr e outros escritores, muitos deles inéditos.

Faz uns dez anos que a Globo publicou a obra completa de Borges, e recentemente a CIA das letras vem publicando outras traduções do Borges. A editora 34 também está valorizando boas traduções, principalmente dos escritores russos do século XIX. A Ateliê Editorial editou há pouco tempo Ariosto e Saint John Perse além do Finnegans Wake de Joyce, e recentemente Coleridge. E até Jerusalém Libertada, longo poema de Torquato Tasso que certo Stuart Kelly disse que se perdeu para sempre, foi recentemente editado no Brasil por uma editora de quadrinhos, a Topbooks. Não posso esquecer a Alfaguara e suas edições que valorizam o prazer do leitor. Ela nos tem dado notícias de novos autores e também dos consagrados criadores do século XX.

Alguém pode dizer que são clássicos, mas são clássicos revisitados, com novas traduções e propostas editoriais para atender o mais exigente leitor. Talvez não com a exigência toda do Fernando, mas pelo amor de Deus, não é o fim do mundo, e se a gente concorda com Fernando Monteiro quando diz que o perfil do consumidor de literatura degringolou nos últimos vinte anos, até que as editoras estão apostando alto.

23 agosto 2009

a festa acabou

Dizem que o festival de literatura de Garanhuns não vai acontecer e dizem também que não vai porque a prefeitura se negou a ajudar como fez nos anos anteriores. Agora em setembro seria a quarta edição, aliás, um mês infeliz, propício para desfile das tropas militares e dos alunos das escolas públicas, todos bonitinhos em uniformes e marchando ao mesmo passo.

As rádios anunciaram todos os dias, não sei se porque o fim do festival deixou a todos sensibilizados ou porque – mais crível – os críticos do prefeito estão vendo aí uma boa oportunidade para alardear suas críticas. Talvez a prefeitura tenha se recusado mesmo a ajudar, talvez não tenha dinheiro ou talvez o dinheiro – se havia mesmo uma verba – foi destinado para outro fim. Qual? Não sei. O certo, porém, é que não houve ainda nenhum pronunciamento por parte da secretaria de cultura, o que não é bom, por certo. Mas o fim do festival foi algo anunciado pelo próprio festival; seu formato equivocado e a influencia da Academia de Letras. Não me surpreende e acho mesmo que a prefeitura aparece como bode expiatório, responsabilizada pelo não acontecimento de um festival que já estava esgotado na sua primeira edição.

A não realização do festival é seu atestado de fracasso. Depois de três anos não criou possibilidades para sustentar-se a si mesmo. A prefeitura devia ser apenas uma parceira, só isso, não a responsável. A academia fez questão de registrar o festival em cartório, como quem diz: esse é meu e ninguém tasca. Registrou o evento e não criou condições para sua independência. Independência? Qual nada! Cadê a Academia de Letras de Pernambuco? Por que não ajuda? E a UBE e a Academia de Artes e Letras do Nordeste? Cadê todo mundo? Deixaram o João sozinho. João é o José do poema de Drummond. Sozinho no escuro.

Uma coisa ao menos nisso tudo ficou claro. Pelo menos pra mim. O festival de literatura de Garanhuns não é nem nunca foi um evento promovido pelas academias, e sim pela prefeitura. Todos os equívocos do festival, esses sim, são de inteira responsabilidade das academias, bem como sua morte.

17 agosto 2009

Arete

Cristhiano Aguiar é jovem e também um promissor ficcionista de Recife – embora paraibano – nesse momento ele está numa correria fazendo a curadoria do festival de literatura do Recife, A Letra e a Voz, em sua sétima edição. Também está com um livro novo chamado: Enquanto Caminhei Com. Tive oportunidade de ler um dos contos.

Arete tem no tema uma boa sacada. A perturbação de um escritor diante da estranheza de um assassino de crianças que canibaliza suas vítimas ser seu leitor, e pior que isso, um leitor especial, capaz de decorar passagens inteiras de seus livros. O título, Arete, que em grego significa bondade, excelência ou virtude, chama a atenção do leitor para a tal perturbação da personagem e nos conduz no fio que Piglia chama de a história secreta que no caso do conto também é o desenvolvimento de uma discussão sobre a literatura e sua função.

É comum nas entrevistas ao escritor alguém perguntar se ele concorda com a idéia de que a literatura pode contribuir para um mundo melhor ou se a literatura pode contribuir para melhorar o homem no que ele tem de humano. Elio, o escritor-personagem de Arete vai visitar o leitor-assassino na prisão e se decepciona com o pouco de gente que encontra diante de si. Moreno, bigodudo e careca, parece com ele próprio, podiam ser primos, são feitos da mesma matéria. Chama-o de Molloch, com dois elis. O demônio da tradição cristã e cabalística a quem entregavam as crianças queimando-as em sacrifício, um mito também aproximado do Minotauro que também devorava jovens. Molloch é um demônio e está perdido e o fato de ser seu melhor leitor não mudou em nada sua história de condenado. A literatura que pode muitas coisas, parece que não pôde nada com relação a Molloch.

O conto tem uma construção não linear que força a gente a ler de novo quando terminamos o último parágrafo. A segunda leitura é diferente da primeira, as coisas se encaixam melhor. Elio diz que não tem uma resposta para o que Molloch fez e no último parágrafo ele parece que retoma esse mesmo discurso e diz que o conto continua conosco. A literatura não fornece respostas, só inquietações e nós – leitores – participamos do processo criativo.

09 agosto 2009

fórmulas

Numa carta endereçada a um jovem escritor, Tchekhov escreve: “Não retoques, não buriles demais, sê estouvado e audacioso.” Acho que é isso o que Ronaldo Correia de Brito quer dizer quando fala em sujar o texto ao invés de construir catedrais. Mas Ronaldo é capaz de passar 30 anos escrevendo o mesmo conto e Tchekhov cortava frases longas. No final das contas, tanto um quanto o outro só nos garante uma coisa: não há fórmulas.

19 julho 2009

O que veio de longe

Disse-lhe Pilatos: "O que é a verdade?"
João 18-38


É o nome do primeiro dos treze contos que compõe Livro dos Homens, de Ronaldo Correia de Brito. A cheia de um rio traz um corpo. Ninguém sabe quem é ou de onde veio, mas sua vestimenta e adornos – jaqueta de veludo, camisa fina com abotoadores de prata, anel com arabescos de ramos e flores entrelaçados – fazem com que a gente simples o tomem por homem importante, de origem nobre.

O corpo é enterrado debaixo de uma árvore que dá sombra aos vaqueiros e rebanhos. Guardam as relíquias do morto e se inquietam tentando encontrar os nós de sua história. Para o corpo sem rosto – comido pelos peixes – e sem identidade, aquela gente imagina tudo o que lhes falta. Começa a nascer o mito, favorecido por algumas circunstancias como a narrativa da mulher curada de picada de cobra e que na agonia, debaixo da sombra da oiticica, rogou ao bondoso desconhecido, ali enterrado. À narrativa da mulher, sucedem-se outras.

O mito se consolida. Viajantes ouvem as histórias, interessam-se e saem pelo mundo espalhando os relatos do santo, suas aventuras, feitos heróicos e generosos. Tudo urdido pelos exilados do Monte Alverne que agora estão convencidos de que devem aguardar o chamado do morto.

Então surge o desmistificador.

Pedro Miranda ouve o relato quando passava por ali. É uma noite sem lua e o visitante não se intimida, reconhece que o santo na verdade é um assassino covarde, o Domísio Justo, a quem ele deu três tiros, vingando a morte de sua irmã. Alguém o adverte do perigo de suas palavras, há uma mulher desafiadora. Deixem-no falar. Ele conta tudo, é essa a verdade. O que é a verdade, pergunta alguém escondido no escuro.

A partir daí os ânimos se acalmam e todos são convidados a dormir e descansar. Durante a noite, aqueles que se julgam discípulos do santo vão se reunir e tramar. É preciso defender a “verdade” com métodos mesmo contrários aos princípios. Um dever maior os convida ao sacrifício, mesmo que com aquele ato – o do assassinato – estejam condenando suas almas. Os mentirosos agora acreditam na própria mentira e estão dispostos a tudo para defendê-la.

Não é uma história folclórica que conserva os registros da vida de uma gente e sua região, mas a história do homem no capítulo religião. Nota-se que o título do livro está justificado. Ronaldo também é dono de uma escrita elegante e precisa. Um texto na melhor tradição de Flaubert, do escritor incansável em procurar a palavra exata.

15 julho 2009

Conversa com o escritor e leitura de ficção

Dia 23 deste mês de Festival de Inverno, estamos realizando na Sala Luzinette Laporte de Carvalho, no SESC - Garanhuns, um encontro com a literatura. Todos estão convidados. O encontro acontecerá em dois dias, quinta e sexta-feira. Sempre às 16h30min.

No primeiro dia teremos uma conversa com o escritor. Nesta ocasião, Ronaldo Correia de Brito, o escritor convidado, vai falar de seus projetos literários e outras obsessões.

Tudo vai acontecer como numa conversa de bar. De um lado teremos o escritor e do outro um mediador – por acaso eu – que vai provocar uma conversa do escritor com o público.

Ronaldo é autor de dois excelentes livros de contos, Faca e Livro dos Homens, ambos publicados pela Cosac Naify. Os livros obtiveram uma ótima acolhida da crítica e conferiram visibilidade ao autor que desde então vem aparecendo e se firmando no cenário da literatura contemporânea brasileira. Partindo de Recife – sua província – ganhou o Brasil e o mundo. Nos últimos anos tem sido presença em Congressos e festas literárias como a FLIP, além de ser convidado como escritor residente na universidade de Berkeley, na Califórnia.

Em 2008, pela prestigiadíssima editora Alfaguara, o autor lançou Galiléia, seu primeiro romance que está na final de dois importantes prêmios literários, entre eles o Portugal Telecom.

Além de escrever muito bem – tem sido apontado pela crítica mais especializada como uma voz original – Ronaldo é aquele tipo de escritor que agradaria a Jorge Luis Borges, alguém capaz de conversar sobre literatura durante horas.

Nosso projeto de vivenciar um pouco literatura, já que a FUNDARPE, em mais um ano de Festival de Inverno (multicultural) negligenciou a Literatura, vai até a sexta-feira, dia 24, quando teremos dois escritores de Garanhuns, Nivaldo Tenório e Mário Rodrigues, fazendo leitura de contos e conversando sobre processo de criação.

Um abraço a todos e até o dia 23, no SESC.

09 julho 2009

Festival de Literatura

Este ano Garanhuns vai realizar sua 4ª edição do festival de literatura. Parece que começaram as conversas e muito ainda está por ser definido. Uma coisa ao menos é dita como certa: quem encabeça o movimento é a Academia de Letras e a prefeitura entra como parceira, fornecendo alguma estrutura.

Nas edições anteriores alguns equívocos do festival praticamente se repetiram. O maior deles é a formalidade. Não há um mediador. Alguém que conheça a obra do escritor e que seja capaz de provocar uma discussão. Ao invés disso a organização do festival teima em compor uma mesa com relator e presidente. Essas duas figuras não têm nenhuma serventia senão o de conferir ao momento certo ar solene, típico das reuniões acadêmicas. São escolhidos aleatoriamente – não demonstram conhecimento nenhum sobre o escritor em questão – e suas falas sempre são carregadas de agradecimentos e outras tolices inúteis. Todas as mesas são iniciadas por um solene mestre de cerimônias que não poupa os ouvidos da gente anunciando as autoridades da província: prefeito, vereador, secretário disso, secretário daquilo, além do chefe de polícia, o chefe dos bombeiros e por aí vai.

A maioria dos escritores, talvez influenciados pela formalidade, retira dos bolsos um calhamaço de papel ofício A4 e como se fosse a coisa mais natural do mundo, se põe a ler para uma platéia que agoniza. Os aplausos entusiastas são o alívio da agonia que chegou ao fim depois de 30 ou 40 minutos. Parece que ninguém teve ainda a idéia de simplesmente provocar uma conversa interessante e descontraída com o escritor. Isso acontece na festa literária de Parati onde as mesas duram em média duas horas. No ano passado, em Garanhuns, as mesas não passavam de trinta minutos e mesmo assim nos davam a impressão de um estágio no purgatório. Outra coisa absurda foi a falta de intervalo entre as mesas. Enquanto uma se desfaz, o mestre de cerimônia convoca os integrantes da próxima. Há urgência e correria, todos fitam seus relógios – faltam muitas mesas –, e aquilo que deveria seguir um ritmo capaz de conquistar a atenção e participação do público, transforma-se em pura necessidade de cumprir um horário que não pode sob hipótese nenhuma esticar. O resultado disso são pessoas insatisfeitas, a quem foi negado o direito de conversar sem parecer mal educadas, trocar idéias, tomar alguma bebida, comprar um livro ou simplesmente sair para respirar o clima da cidade.

Ano passado houve uma inovação interessante, algumas mesas deixaram o palco do teatro e foram realizadas numa tenda. O problema é que colocaram no mesmo ambiente feira de artesanato, sebo e livrarias. O resultado foi o mais bem sucedido projeto de reviver a Torre de Babel.

O festival tem vivido um paradoxo: deve sua realização ao interesse das Academias de Letras e é justamente por isso que não tem funcionado. Ouvi dizer que estão pensando em setembro como data do evento. Não sei se é verdade, mas se for e a formalidade continuar a mesma, pelo menos o mês é propício à pompa e ao desfile.

07 julho 2009

Do silêncio de Jesus

Turguêniev, no leito de morte, faz uma súplica a Tolstoi, pede que ele volte para a literatura. Nesse período Tolstoi havia renegado sua arte e vinha se dedicando à vida espiritual. O moribundo é atendido e o resultado disso é A Morte de Ivan Ilitch. Flaubert também já tinha feito um comentário sobre o romancista russo. Dizia que o artista perdia muito quando dava lugar ao doutrinador.

Um livro não é moral ou imoral, dizia Oscar Wilde, um livro é bem ou mal escrito. O aforismo de Wilde apresenta uma ótima saída. Um livro não é importante pela sua vindicação ideológica, filosófica ou religiosa.

Não há nada mais passível da ação do tempo do que a postulação ideológica, filosófica ou religiosa. Numa determinada época que hoje nos parece escondida atrás dos séculos, as melhores cabeças preconizavam o comunismo como resposta aos males da sociedade. Depois de toda burocracia, ditaduras e transgressões aos direitos humanos, não conseguimos evitar sentir que fomos enganados. Um novo sistema filosófico é sempre eficaz em apontar as falhas daquele que ficou para trás, e a religião rivaliza com os piores assassinos o número de esqueletos escondidos no armário.

A literatura que se ocupa com tais especulações não raro se perde enredada no próprio torvelinho. As questões fundamentais continuam fundamentais e sem respostas. O problema da existência continua sem solução. Dar de ombro ainda é o melhor a fazer.

Além de se indignar com a descriminação que sofre o judeu e caminhar com ele pelos becos e avenidas que perfazem sua rotina diária. Além de ver televisão com ele e acompanhar as eleições que todos sabem foram fraudadas e experimentar da comida fast food e sentir dor de barriga, não encontramos respostas na literatura, apenas sofisticamos nossas perguntas.

05 julho 2009

Estratégia do Ilusionista

A literatura da última metade do século XIX se encarregou de retratar a realidade vendo nela não apenas os meios, mas os fins. Tal subordinação encontrou legitimidade na mais cristã das intenções: a redenção. Mostrava-se o que havia de podre no mundo com a intenção de corrigi-lo para, enfim, salva-lo.

Essa bem intencionada literatura que aspirava ao útil produziu obras que se esgotavam com a denúncia de instituições ou da sociedade. Machado de Assis é um dos escritores que acabou se configurando um caso à parte – Capitu não nos deixa mentir. Já os realistas de carteirinha não raro se concentravam num tipo de texto acabado, com começo, meio e fim, não dando ao leitor outro papel senão o da passividade.

No século passado, ali pelos anos vinte, com o Modernismo e a influencia de autores como Kafka e Joyce, a realidade objetiva entrou em decadência como uma moda que fica para trás. A falência do Racionalismo trouxe de volta a subjetividade e novos mergulhos na alma do homem contavam agora com contribuições de Freud. Os tempos modernos fariam do homem um ser cada vez mais confuso. O racional não atendia mais – se é que algum dia atendeu – às necessidades de uma arte que não queria mais constituir-se apenas em mero veículo para difusão de idéias político-sociais.

Na América do Sul, uma tendência que não chegou a ser Escola, tendo, certamente, Jorge Luis Borges, como seu mais ilustre representante, não apresentaria mais aquele tipo de subordinação à realidade objetiva. Dentro dessa nova visão a ficção não seria mais marcada pelo padrão que incluía começo, meio e fim. Ou pelo menos não necessariamente nessa ordem.

A literatura de Borges valoriza a participação do leitor ativo. Não estamos mais lidando com um texto de dimensões mensuráveis, mas de um texto que foge ao padrão de coisa exata, medida e que confere ao leitor a sensação de algo inacabado ou mesmo confuso. Tomado de inquietação – não a inquietação de quem vislumbra a verdade. Não há verdade, nunca houve –, o leitor se vê remetido a um labirinto com corredores que se bifurcam.

O truque do espelho e do labirinto, do narrador que conta uma história, não inteirado dos pormenores, e das falsificações históricas – tudo isso responsável em gerar ambigüidade – sem dúvida nenhuma confere uma dimensão maior ao texto e empresta-lhe mais complexidade.

Um texto “inacabado” seria aquele que não nos esclareceu tudo, aquele em que as palavras não elucidam o mistério, mas nos remete ao mistério e tudo o que dali advém. Diante disso não resta outra escolha ao leitor senão a inquietação que não cessa, mesmo quando lê o último parágrafo.

29 junho 2009

Mito

A notícia da morte de Michael Jackson me foi dada, claro, pela televisão – na verdade na sexta. Quinta-feira foi gasta na biblioteca, onde fiquei enfurnado, lendo um livro de ensaios do Umberto Eco, aliás, melhor narrador do que teórico. Entre os ensaios, um causou-me certo desconforto: Os aforismos de Oscar Wilde.

Então ligo a televisão e me junto aos milhões de telespectadores que se recusam a acreditar que alguma coisa do mundo que conheceram e ao qual se julgam pertencer, desmoronou em parte, teve um capítulo encerrado e o que parecia imutável, imune ao efêmero, revelou-se no final frágil, mortal. Com o anúncio da morte do ídolo, amplamente explorado pela mídia espetaculosa, vídeos caseiros, clips e fotografias tentam compor fragmentariamente a vida que levou o artista – pelo menos aquela parte captada pelas câmeras, talvez menos sujeita aos insultos. As retrospectivas mostram-no ainda menino e negro, muito antes da louca obsessão de permanecer jovem e belo.

Tanto o escritor irlandês quanto o artista pop foram acusados de imoralidade e foi o herói de Wilde, Dorian Gray, assim como M.J., também um obcecado por beleza e juventude.

Li Dorian Gray mais de uma vez. Na primeira, ainda moço, fascinou-me os aforismos e tanto foi o fascínio que decorei a maior parte deles. Recitava-os sempre que a ocasião e o vinho ajudavam. Nunca escondi a autoria daquelas frases mais preocupadas com a elegância e beleza do que em preconizar verdades. O nome do escritor soava tão sofisticado quanto suas palavras.

Confesso que preciso ler de novo o ensaio de Eco. Primeiro ele diz que Wilde é uma espécie de escritor fátuo e disso entenda-se oco mais do que pretensioso. Mas é o próprio Eco logo depois quem vem em defesa de Wilde afirmando que se o aforismo é fátuo, ele – o romancista – coloca-o na boca de personagem capaz de fatuidade. E, espanto-me eu; se a frase é oca e está sendo dito por personagem que se enquadra na mesma categoria de adjetivo, onde está o erro do romancista?

Depois diz que O Retrato é uma imitação de certa novela de Balzac e uma ampla cópia de À Rebours de Huysmans e não pára por aí, acusa-o também de fazer versões de Baudelaire. Em dado momento me senti sofrendo pela morte de dois ídolos. Enquanto pairava a dúvida sobre onde enterrar o corpo de M.J., Umberto Eco desferia punhaladas no fantasma de Oscar Wilde. E não foi o esteta do dandismo que vi diante de mim, mas o condenado a trabalhos forçados na prisão por “cometer atos imorais com diversos rapazes”.

Entre os anúncios de preparação do funeral estava sempre alguém disposto em nos lembrar das acusações de pedofilia imputadas a M.J.

Às vezes me sinto como um homem de fé que acredita que certas verdades não contribuem para nada senão em tornar o mundo mais feio. Nem sempre mitificar é fazer da história um monte de mentiras. No final das contas, que é a verdade, perguntou Pilatos para quem em pouco tempo se tornaria um mito.

27 junho 2009

Sábado

O romance de Machado de Assis é considerado Realista mais por uma questão cronológica do que em razão de sua fidelidade ao estilo de época do século XIX. Sua habilidade de deixar incrédulo o leitor a respeito das reais intenções do narrador deu-lhe fama de escritor que antecipou – no Brasil – o romance moderno. De fato é visível a preocupação do criador de Capitu com o não dito e a ambigüidade. Machado de Assis não é citado por Borges como é Eça de Queirós. Pra mim isso só encontra explicação na pouca familiaridade do escritor argentino com autores de língua portuguesa, mais especificamente do Brasil. Há muito de Machado de Assis na obra de Borges. São autores com preocupações parecidas. Poderia ser de Machado de Assis a recomendação que deve o narrador contar uma história como se não estivesse totalmente inteirado dos fatos. Machado é sem dúvida um escritor que se enquadra perfeitamente na poética da obra aberta de Umberto Eco.

Entre muitos escritores, esse é o caminho para se produzir boa literatura.

Machado de Assis é como aquele atleta que não teve ainda seu recorde quebrado. Ele subverteu o século XIX e antecipou o século XX. Isso, entretanto, não quer dizer que o Bruxo tenha feito algo original. Outros escritores, antes dele, como Laurence Sterne, fizeram o mesmo. Acho que o grande mérito de Machado está no fato de se apoderar de uma técnica e nela por sua marca.

Estou lendo Sábado, romance de Ian McEwan sobre a piração do povo inglês e americano depois do Onze de Setembro. Ao longo das 330 páginas, acompanhamos um dia – o sábado – na vida de Henry Perowne. Neurocirurgião de um importante hospital de Londres. Ele é casado com Rosalind, uma destacada advogada. Seu sogro é um poeta indicado ao Nobel e seus dois filhos, Daisy e Theo são o máximo em matéria de filhos; ela uma poeta promissora, ele um astro pop. A única mácula na vida cor de rosa de Henry é sua mãe, internada num abrigo para velhos, com algum tipo de degeneração neurológica em estado bem avançado, mas o desconforto que ele sente ao visitar a mãe é coisa passageira, basta dirigir seu carrão pelas ruas de Londres e logo a mãe e tudo aquilo que ela representa de incômodo ficam para trás, no abrigo, sob os cuidados de uma enfermeira que o trata de doutor e por causa de sua condição de médico, merece cuidados especiais extensivos à sua mãe, a paciente.

A primeira coisa que me chama a atenção no romance é que McEwan, ao contrário de Machado de Assis e seu narrador escorregadio, Borges e o não dito, Umberto Eco e sua ambigüidade – que eu estou convencido de que são elementos fundamentais para uma escritura satisfatória –, é que ele parece ir na contramão. O discurso é na terceira pessoa e o narrador onisciente que tudo sabe e tudo vê não deixa escapar nada e debulha para o leitor o fundo do âmago de Henry e nos revela todos os pormenores de seus pensamentos, medos ou frustrações. Não precisamos supor nada. Tudo está esclarecido, terminamos o romance com a sensação de que conhecemos o personagem há pelo menos trinta anos.

Ian McEwan acompanhou a rotina de um neurocirurgião de verdade durante dois anos. Os detalhes que nos fornece sobre a rotina de tal profissional o ajudaram a compor seu personagem e deu-lhe tal verossimilhança capaz de deixar satisfeito qualquer sociólogo. Sobre o médico e sua relação com o hospital – ele descreve o lixeiro onde são depositadas as roupas cirúrgicas descartáveis com riqueza de detalhes –, ficamos familiarizados com tudo, desde a terminologia empregada no trato com doenças, remédios, procedimentos e equipamentos cirúrgicos a hierarquia entre médicos e residentes.

Parece que estamos lendo um escritor do século XIX sem as preocupações de Machado de Assis, um Eça de Queirós, capaz de compor um quadro sobre o qual nenhuma suspeita paira. Um grande romance de um realista do século XXI.

22 junho 2009

Junichiro não é Machado

Junichiro não é Machado de Assis. Não tem a mesma habilidade de fazer com que o leitor se sinta pisando em terreno movediço. No romance A Chave há dois diários, escritos por personagens influenciados pelo mundo dos sentidos. Em dado momento é coerente desconfiar da sanidade dos autores. Mas as desconfianças nascidas da verdadeira autenticidade dos escritos não aparecem senão no final do livro. Aí descobrimos que Ikuko mentia quando afirmava que insuflou ciúmes ao marido para fazê-lo esquecer-se do medo da morte.

Na obra machadiana o leitor é posto à prova. Depende dele aceitar ou não. É sua argúcia que determinará o quanto participará ou não da construção do texto. Isto, entretanto, não quer dizer tudo. O Bruxo nos lança um desafio, como o da esfinge, mas ao contrário de Épido, não matamos a charada e somos devorados. É assim que nos sentimos diante do julgamento do adultério. O processo ao qual nos submetemos como juízes do verdadeiro caráter de Capitu ou a loucura de Bentinho revela-se no final uma difícil probabilidade matemática.

Junichiro não vai tão longe, mas não há como negar a complexidade das personagens. Se a ambigüidade nos acompanha ao longo da narrativa de Machado, em Junichiro ela é só uma silhueta que aos poucos vai tomando forma e só aparece no final. No final o autor nos deixa em dúvida sobre a real natureza do relacionamento de Kimura e Toshiko. Para além da trama de assassinato do marido perpetrado por Ikuko, haveria outra trama, não anunciada, do jovem casal? Por que foi o relacionamento adúltero da mãe facilitado pela filha? Estaria sendo Ikuko vítima da vontade de Toshiko e Kimura que secretamente contribuíram para aquele desfecho?

Nas últimas páginas do livro, Junichiro me lembrou Machado de Assis – por isso a comparação – senti de repente o terreno movediço, uma característica sem dúvida do romance moderno, praticada - e ainda não superada - pelo Machado de Assis nos últimos suspiros do século XIX.

21 junho 2009

Da tradução

Segundo Borges, o que fez o Dom Quixote subsistir no tempo não foi o estilo do autor, pois não há nenhum. Mas tão somente seu aspecto psicológico. De fato ninguém precisa fazer uma leitura mais atenta do livro do Cavaleiro da Triste Figura para perceber ali desorganização, capítulos inacabados, parágrafos intermináveis, desencontros etc. A impressão que se tem é que Cervantes jamais releu seu romance.

Senão toda, mas alguma razão tem o escritor argentino. De fato se é o estilo composto em grande parte pelo manejo com as palavras, possível somente com a utilização da Língua de que se está valendo e que uma tradução, mesmo a melhor de todas, não reproduz o texto original – porque uma língua não encontra correspondência fiel na outra – e que desta forma perdem-se justamente os artifícios verbais do estilista, como explicar que uma obra sobreviva a todo tipo de tradução descuidada? Em seu livro Borges cita o poeta Heine que nunca leu Dom Quixote em espanhol, mas o celebrou para sempre.

Alguns escritores não acreditam mais no estilo. Raimundo Carrero é um deles, costuma afirmar que é a personagem quem tem estilo. Acho que o conceito de estilo ficou abstrato. O fato é que Borges me deixou mais à vontade com as traduções. Tanto é que leio autores japoneses despreocupado com a correspondência das línguas. É verdade que estou atento para as boas edições, e sei que apesar do conforto que as palavras de Borges representam para quem fala uma só língua, é melhor ler uma boa tradução do que uma tradução qualquer.

17 junho 2009

Do erótico

Talvez meu comentário anterior sobre A Chave tenha provocado no leitor uma falsa idéia do romance. Que o livro é erótico, não há como negar, mas não o tipo de erotismo que emana das cenas de sexo e sua descrição rica em detalhes. Nesse sentido não há erotismo. O mais perto disso é acompanhar o marido, com a ajuda de uma lâmpada fluorescente, examinando com ímpeto de voyeur, o corpo nu da esposa que finge dormir. Há certas particularidades na anatomia da mulher, como o pé e a pele macia que o recobre, capaz de provocar verdadeiro frenesi no homem segurando a lâmpada. Eu diria que o erotismo do livro emana muito mais do entusiasmo do voyeur em presença do objeto de sua adoração do que da descrição desse objeto. É o entusiasmo dele que nos contamina e nos faz sentir a beleza do objeto de desejo mesmo diante de uma quase ausência de detalhes na sua descrição. Por um instante somos a personagem e partilhamos suas sensações. Isso ocorre sem que nos apercebamos. Inconscientemente.

Tanto no diário dela quanto no dele, as informações que envolvem a ambos são de ordem prosaica. É ela que tem que fazer umas compras, arrumar o escritório ou passar na casa de banhos e depois se encontrar com o amante. Do encontro nada sabemos, apenas imaginamos. Quando o professor
envia a Kimura os filmes contendo as imagens de sua esposa nua, nós não somos informados sobre como reagiu o rapaz, apenas temos uma vaga idéia quando muitas páginas depois ele é referido por Ikuko ou por seu marido a propósito de uma coisa qualquer, absolutamente fora daquele contexto. É a arte do não dito, que parece ser regra nas grandes obras de ficção, tanto o conto quanto o romance.

Já nas últimas páginas do romance, enquanto o marido, vítima de um derrame, está convalescente no quarto, a mulher, para descrever uma cena de encontro com o amante limita-se a umas poucas palavras: “Às onze horas, ouço passos no jardim...” O resto fica por conta do leitor e sua natureza voyeur.

15 junho 2009

A Chave

A Cia das Letras vem desde 2000 publicando as obras traduzidas para o português de Junichiro Tanizaki, provavelmente o escritor mais popular do Japão.

Surpreende-me o tratamento que o autor confere às personagens. Dir-se-ia um Marquês de Sade japonês. Eles, os personagens, estão sempre vivendo triângulos amorosos marcados pelo sexo. As personagens têm pudor – algumas mulheres não se mostram nuas para seus maridos – há vergonha e é quase o mesmo o conceito de licenciosidade dos ocidentais, mas não há influência do Cristianismo. O sexo pode ser depravado, licencioso e pode causar vergonha, mas não é pecaminoso e sua prática – mesmo no adultério, por exemplo – não tem o poder de condenar a alma de quem o pratica.

Junichiro Tanizaki foi um desses escritores japoneses do começo do século XX muito influenciado pelo mundo ocidental – embora mais tarde se volte para as tradições e o Japão feudal. Há de se supor, portanto, que tenha lido Freud. Em seus livros o sexo é o tema a partir do qual se inquieta com o humano.

Em A Chave, um homem de 56 anos e sua esposa de 45 escreve – cada um a seu turno – um diário que é compartilhado com o leitor. Espécie de romance epistolar de duas vozes. No diário cada um apresenta suas impressões do casamento. Não precisa dizer que a tônica é o sexo. Nenhum deles, embora corroídos pela suspeita (a chave do título é a chave que abre a gaveta em que fica guardado o diário dele) lê o diário um do outro. Sadismo e jogos sensuais a que se submetem, arriscando a própria saúde e escandalizando a filha, fazem de fato lembrar o Marquês.

O casal recebe em sua casa, reiteradas visitas de Kimura, jovem que nos é apresentado como pretendente de Toshiko, a filha. Tal romance, entretanto, não é consumado e o jovem casal passa apenas por amigos. Os pais da jovem estão casados há 30 anos e entre os dois acumulou-se ao longo dos anos uma lista de desagrados, embora ainda se amem – o marido principalmente. Os encontros são regados a conhaque – que Ikuko, a esposa, bebe até se embriagar. Bêbada ela deixa a sala, desnuda-se e desmaia na banheira, o que é acudida pelo marido, o jovem desconcertado e a filha que tem a mãe na conta de muito virtuosa. Tiram-na da banheira e o jovem ajuda a pai e filha enxugar e vestir a senhora daquela casa. O ritual repete-se e apesar de bêbada, Ikuko finge-se desmaiada. O marido desconfia do desmaio e ao contrário do que se poderia esperar, excita-se com o jogo da esposa. Daí por diante resolve participar efetivamente – não é passivo – seu toque pessoal está no fetiche de fotografar o corpo nu da mulher e entregar os filmes para o embasbacado Kimura revelar.

O perigo de estar instigando o adultério da esposa – motivo de dor provocada pelo ciúme – não é suficiente para fazê-lo parar. Para atender ao desejo de Ikuko aplica em si mesmo injeções de quinhentas unidades de hormônio pituitário a cada três ou quatro dias e faz isso contra as recomendações medicas que o alertam para sua pressão altíssima. Nada mais me atrai a não ser o prazer corporal, são suas palavras num trecho do livro. E pelo prazer está disposto a tudo – ela também – e tudo parece justificado apesar do preço que precisarão pagar.

11 junho 2009

Ainda Kawabata

Outro dia um professor explicava na classe que toda literatura é simbolista e que o Simbolismo apenas pretendeu exacerbar tal característica. De fato. No livro “A Casa das Belas Adormecidas” há passagens dignas dessa nota.

O mais interessante, embora óbvio, é que se reconhece um bom escritor pela habilidade com que trata o símbolo. Às vezes a comparação ou metáfora parece forçada. Não seria esse o caso numa das passagens do livro em que o autor compara a jovem nua e adormecida com uma espécie de Buda? Não soaria grosseiro comparar um ícone – da Virgem Maria, por exemplo – com uma jovem nua (uma prostituta que não sacia o desejo da carne do homem, mas que é consciente de seu papel como objeto de sedução) intencionalmente adormecida para servir de “brinquedo” para velhos licenciosos?

Tudo isso seria verdade se não fosse a habilidade do artista. Nesse sentido o melhor exemplo é, talvez, o de Bernini. O Êxtase de Santa Teresa, mesmo para padrecos vivendo em meados dos anos 1600 – ainda a época da Santa Inquisição – não pareceu imoral embora seja indo e vindo o retrato fiel de uma mulher se contorcendo de gozo. Todos tiveram que calar sua hipocrisia diante da manifestação do belo que deve todo seu êxito a habilidade do artista. Em Kawabata a jovem nua podia ser muito bem o Buda diante do qual os velhos se ajoelham e choram “pelo medo da morte que se aproximava ou o lamento pela juventude perdida.”

A jovem nua, como uma santa de gesso por quem os fieis nutrem fé e paixão tem o poder de fazer aqueles homens, embora velhos, mas que são homens de poder e posição, derramar lágrimas e revelarem-se sensíveis e frágeis, destituídos das máscaras que são obrigados a sustentar.

10 junho 2009

Similaridade

O fragmento de texto selecionado abaixo foi extraído por mim de um artigo sobre “Meu nome é Legião” do Antônio Lobo Antunes. Não me lembro o nome do autor do artigo. É sobre o escritor português, mas caracteriza perfeitamente o romance de Raimundo Carrero. Talvez não aqueles que pertencem ou nasceram influenciados pelo Movimento Armorial, mas os de feição urbana, entre os quais merece destaque “Somos pedras que se consomem”.

" (...) o autor fabrica os personagens na agenda informativa do dia, recorta-os das páginas do "Correio da Manhã", decalca-os do violento alinhamento dos noticiários da TVI, descobre-os na batalha que diariamente está travada nos bairros degradados da periferia."

Carrero encontra suas personagens nas páginas de jornal, principalmente nos cadernos policias. Há ali uma verdadeira galeria de tipos, diria ele. Mas talvez o mesmo faça Rubem Fonseca, Marçal Aquino e tantos outros que dão especial enfoque ao viver nos grandes centros urbanos. Reo-realismo? Talvez, mas sem incorrer no anacronismo do estilo de época.

09 junho 2009

Elogio da delicadeza

Algo que me chama a atenção em A Casa das Belas Adormecidas, além do já referido por mim na postagem anterior, decerto uma característica da boa literatura do século XX, (a tragédia do homem comum e seus paradigmas que traduzem o insignificante e não o heróico no seu cotidiano) é a escritura do autor. Em Kawabata, chama-me a atenção a suave descrição de ambientes e paisagens, bem como os adjetivos utilizados para dar relevo aos corpos mergulhados no sono das belas adormecidas. É claro que falo da obra traduzida, que é como a conheci.

“olhando para o teto, viu duas aberturas semelhantes a clarabóias, de onde a luz das lâmpadas elétricas era projetada através da tela de papel Japão. Sem dúvida, uma iluminação como aquela não só era ideal para o veludo carmesim, mas também realçava melhor a tez da garota refletida no vermelho do tecido, dando-lhe a beleza irreal de um espectro.”

(...) os ombros dela se levantaram de leve, realçando a forma arredondada e juvenil de seus seios. E, ao puxar o cobertor sobre os ombros dela, Eguchi envolveu docemente as formas arredondadas com a palma de sua mão. Seus lábios deslizaram do dorso da mão até o braço. O cheiro dos ombros, da nuca da garota, o seduzia. Os ombros, bem como a parte inferior das costas, se contraíram, mas logo se afrouxaram e a pele pareceu colar-se no corpo do velho.”

Se de um lado acompanhamos um velho metido em si mesmo, motivado pela situação insólita que se vê representando, deitado ao lado de uma jovem semimorta. Um velho e as sobras de si mesmo, aquilo em que se transformou ou a vida o reduziu, do outro percebemos a suavidade com que o autor, a exemplo de um pintor que escolhe as cores mais delicadas, vai compondo os cenários e descrevendo as jovens – a maioria delas virgens, puras e tão inacessíveis para o velho quanto eram as musas para os poetas românticos. Este contraste – que a meu ver parece intencional, confere tal ênfase à solidão de Eguchi que a sentimos latente dentro de nós.

08 junho 2009

A casa das belas adormecidas


Na cama a menina dorme seu sono letárgico. O velho Eguchi acende um cigarro e sente angustia e vazio. Lembra-se de um poema que ouviu e jamais esqueceu. “O que a noite me reserva são os sapos, os cães negros e os corpos afogados.” Os versos que falam da noite, traduzem seu sentimento sobre a velhice.

Yasunari Kawabata escreveu um romance que se passa quase todo dentro de um quarto. O monólogo de um velho diante do corpo nu de uma jovem que ele não conhece, impossibilitado pelas normas da “casa” de nunca com ela se relacionar sob pena de botar tudo a perder e fazer desaparecer todo o mistério que o seduz e causa sofrimento. O tempo narrativo linear é apenas interrompido de vez em quando para dá lugar ao fluxo de consciência da personagem que volta no tempo e relembra os momentos de vida ao lado das filhas, amante e esposa. Nesses momentos a sensualidade cede lugar a sentimentos confusos que o impele a rever a vida que levou. Mas a tônica maior, acho eu, é o desespero em face da impossibilidade, o sentimento da impotência e a dor de envelhecer.

Apesar de não ser ainda um “cliente de total confiança”. Mas um homem com alguma virilidade, embora não muito longe da decadência da velhice, o velho Eguchi sente que “o desespero de envelhecer se tornava insuportável
.” Estar diante do mais precioso objeto de desejo potencializa esse sofrimento que é procurado por ele numa insensatez ou ânsia de purgação.

Parece que volto a comentar “O homem comum” de Roth, porque este livro, como o outro, também é o relato de um ser dilacerado, em luta contra os fantasmas e obsessões. O monólogo de Eguchi revela suas fragilidades e o reduz a uma parcela mínima do homem que um dia foi.

07 junho 2009

O crânio de Yorick

Quando o homem comum vai ao cemitério fazer sua última visita ao túmulo judeu de seus pais – embora não saiba que seja a última, encontra o coveiro. Tal encontro me fez lembrar da cena I do Quinto Ato de Hamlet. Nela o perturbado príncipe se encontra com o coveiro e se espanta diante do horror de segurar nas mãos o crânio de Yorick, o bobo da corte de seu pai, que o fazia rir e o carregava nas costas. Que fizeram de teus sarcasmos, de tuas cabriolas e canções, pergunta o príncipe. O coveiro é bem humorado, está cantando quando aparecem Hamlet e Horácio e não reconhece o príncipe. Este lhe faz perguntas. Quanto tempo é coveiro e quanto tempo pode ficar um homem enterrado antes de apodrecer?

Causa indignação a Hamlet a indiferença ou naturalidade do coveiro diante do horror da morte.

O coveiro da novela de Roth é negro, tem 58 anos, é ainda forte e robusto e há 34 anos – o coveiro de Hamlet há 30 – cava buracos tão lisos no fundo que daria para fazer uma cama ali. Como o da peça este também comenta sobre alguns mortos enterrados por ele, como o cara que lutou na Segunda Guerra Mundial e o garoto de 17 anos, morto num trágico acidente de carro. Fala dessas coisas como se comentasse a previsão meteorológica para domingo.

Um dia nublado, com pancadas de chuva à tarde.

Assim como Hamlet, o personagem de Roth não compactua com o coveiro da mesma naturalidade com que este encara a morte. Nele há indignação e revolta e um forte sentimento de inconformismo por saber-se impotente diante do inevitável.

Há mais de uma leitura possível no livro, porém aquela que mais me tocou é a história de um homem que sabe que vai morrer, senão hoje, mas um dia, talvez mais cedo do que seria da sua escolha e que não há nada a fazer, senão revoltar-se. Mais do que isso, é a história de um homem que não tem nome porque representa a todos nós, e que apesar de todos os erros e frustrações que acumulou pelo caminho, continua preso à vida de tal modo a considerar a morte um equívoco, o maior dos absurdos, aquilo que atenta contra sua natureza.

06 junho 2009

Homem Comum

É muito triste quando a ilusão perde o poder sobre nós. Quando isso acontece, e um dia acontece, é inexorável, o suicídio passa a nos atrair como coisa razoável, e se não são proporcionais, é porque existe muita gente covarde no mundo. Covarde mesmo quando não há nada a perder. Há um ditado que diz que Deus dá o jeito. Será? Pra mim, que não acredito em Deus, ou pelo menos num Deus que tem para nós um projeto além túmulo, isso não serve de consolo. 

Existir é doloroso, diria Sileno. Existir não foi uma escolha. De repente nos descobrimos num mundo que nos acolheu como pôde e nos indicou as alternativas de sobrevivência. Sobrevivemos, ou assim nos parece. Deram-nos obrigações, concederam-nos alguns direitos e assumimos o nosso papel no mundo, bem ou mal. Na verdade nos deixamos arrastar pela onda. E tudo o que fizemos – dentro das alternativas viáveis – teve sobre nós um efeito anestésico. Entre os animais somos os únicos conscientes da morte, e para ter de lidar com isso, criamos estratagemas. Talvez a religião seja o mais famoso deles. Mas chega um momento crucial quando a ilusão perde o poder sobre nós, e nada mais que fazemos para nos “distrair” tem efeito alucinatório. O ópio perde suas propriedades e depois da comédia representada, o teatro está vazio, e restamos nós e o absurdo que encarnamos. 

O personagem de O homem Comum, última novela de Philip Roth, e de quem não sabemos o nome, divisa este momento. Além da morte, as coisas que ficaram para trás, aquilo em que gostaríamos de ter uma nova oportunidade – talvez ainda um pouco de ilusão? – para tentar de novo, mas é tarde, o passado é imutável. Só resta lamentar as coisas que poderiam ser e não foram. Todo o esforço que não foi suficiente. A morte – certamente a personagem central da novela – tem o poder de potencializar tais frustrações. No início do livro a personagem está sendo sepultada pelos familiares, quando ocorre o retrocesso no tempo, o autor já tem nos alertado sobre o desfecho: onde tudo vai acabar, e então fazemos a leitura incomodados com a idéia de que somos um projeto fadado ao mais completo fracasso. Os casamentos sucessivos, as mulheres enganadas por ele, o ódio de dois filhos e as internações em decorrência de uma saúde debilitada são os reflexos de uma trajetória para lugar nenhum.  

Seu pai ganhava a vida no ramo dos diamantes. Há entre o homem e o diamante uma grande diferença. O diamante não é perecível. O homem sim, nós não somos capazes de escapar da vicissitude da temporalidade. É sobre isso a novela de Roth, mas não apenas o perecer do corpo, mas do mundo ao nosso redor, nossos valores mais caros e nossa esperança.  

02 junho 2009

Simenon

Na última semana me deu vontade de ler um bom romance policial e aí me decidi pelo Simenon. Comecei com O Caso Saint-Fiacre, e acompanhei Maigret de volta à sua cidade natal. Nela o Comissário reencontra personagens antes inacessíveis, quando ele era garoto pobre, filho do administrador do castelo.

A condessa está morta, mas antes disso, ela e o castelo e a nobreza que um dia representou, entraram em franca decadência. Seu filho, o herdeiro de coisa nenhuma, vadio e por aqui de dívidas, é suspeito, bem como o secretário da condessa com quem ela mantinha relações inadequadas – causa de indignação e revolta dos mais pudicos habitantes do vilarejo.

O mundo que Maigret conheceu e do qual provavelmente ainda conservava alguma impressão desde quando deixou aqueles cafundós, desaba. Os últimos vestígios sobreviveram até sua vinda, quando deixou seus afazeres em Paris e fez aquela viagem que é também uma viagem sentimental, embora às avessas; desmistificadora.

É trazido ali motivado pelo trabalho de detetive. Precisa solucionar um crime que ainda não aconteceu. Um crime anunciado. Aliás, algo sem muito sentido, que não fica nem um pouco esclarecido já que o assassino não é um serial killer narcisista e tarado por ibope. Tal excentricidade será sua perdição. Não fosse ela teríamos o crime perfeito em que um assassino sequer suja as mãos, senão de tinta. A vítima cai fulminada por um ataque do coração depois de ler uma notícia prestidigitada, intencionalmente deixada ao seu alcance.

O assombro de Maigret diante de seu mundo de infância que desmoronou é a tônica maior do livro. O caso do assassinato fica em segundo plano – nem é solucionado por ele – Simenon não corrigiu as impropriedades nem ligou importância para um detalhe e outro inverossímil, e nele, assim como em Cervantes, tais “descuidos” não foram capazes de macular o romance que sai incólume, possibilitando-nos mais uma leitura da alma humana.

27 maio 2009

Conceito

Sempre que é publicado um novo livro de escritor brasileiro – conto ou romance – sentimos uma expectativa: Será um novo Guimarães Rosa?

O consenso mais aceito é que nas últimas décadas tivemos de nos contentar com produções razoáveis. Nada de excepcional. Há quem diga que os escritores de hoje chegaram tarde demais. Vieram depois de Shakespeare, Cervantes, Dostoievski, Machado de Assis etc. Ou talvez fomos nós que nos tornamos mais exigentes ou confusos por efeito dos novos tempos – plurais desde as Vanguardas – e que têm nos oferecido um número considerável de obras que não se encaixam num mesmo gênero nem estilo de época.

E o que é ser genial?

Quando o escritor segue os paradigmas é julgado pela sua incapacidade criativa, se envereda pelo experimentalismo corre o risco de parecer tradicional, superficial ou ridículo. A partir de quais critérios podemos julgar se uma obra é experimental? Ou mais ainda. O que é ser experimental depois de Joyce, Beckett, Marcel Duchamp ou Haroldo de Campos?

Há dois bons, justos e criteriosos julgamentos de livros. O primeiro é de Oscar Wilde: Um livro não é moral ou imoral. É bem ou mal escrito, diz ele. O outro julgamento é de Ernesto Sabato: O bom livro não foi feito para entreter, mas para causar perplexidade. Situo o meu ideal de livro levando em consideração esses dois conceitos, principalmente o último.

Recentemente li dois livros de autores brasileiros. Em Galiléia do Ronaldo Correia de Brito e O Filho Eterno de Cristóvão Tezza, pude reconhecer que os autores foram felizes em tratar do humano. Não são livros para entreter, mas para causar perplexidade, como queria Sabato e não fazem parte desse monte de porcaria que figura na lista dos dez mais. Não encontramos personagens estereotipadas, marcadas por uma idéia estúpida e romântica de dualismo. Nos personagens reconhecemos nossa banda podre. Não são livros morais ou imorais. Tratam do mais absurdo de todos os animais, o homem e sua viagem para lugar nenhum, tentando desesperadamente dar sentido à sua vida. O homem comum, efêmero, bem distante do Ulisses de Homero.

18 maio 2009

Paradigma

 

Outro dia li a entrevista de um escritor brasileiro, recentemente descoberto pelas editoras e pela crítica especializada. Ele dizia que não acredita nessa coisa de “ser brasileiro”.  Não sei o que pensaria José de Alencar se um vidente lhe dissesse que cem anos depois dele um escritor importante e brasileiro faria tal declaração. Depois dele e do projeto de construção da identidade cultural do Brasil – projeto que Alencar, mais do que qualquer outro romântico ambicionou com seu romance que, não obstante o claro das impropriedades tenta traçar a geografia do Brasil. Acho que a mesma reação teria o Mário de Andrade, que ao modo dos artistas de sua geração e seu caráter anárquico, também ambicionou dar continuidade – de um modo diferente, claro, crítico e coisa e tal – ao projeto de identidade cultural. Macunaíma, o herói sem caráter, é o romance tese dessa empreitada. Mas o fato é que o tal escritor da entrevista talvez não esteja enganado.

No século XIX a França era o paradigma cultural do mundo ocidental e foram as vanguardas européias que influenciaram o Modernismo dos Mários. Quase cem anos depois dos gritos e berros que ecoaram no teatro municipal de São Paulo, ainda estamos em formação e a única conclusão que chegamos é que não somos negros nem brancos nem índios.

As tecnologias nos aproximaram e a globalização – que não é coisa nova e começou com as navegações – tem contribuído para nos fazer sentir cada vez mais um só povo, não obstante os fundamentalistas de plantão. O povo do pequeno ponto perdido no espaço que alguns dizem ser azul e que se chama terra.

Teve um tempo que eu achava estranho o fato de gostar tanto dos romances americanos da década de 20, ambientados na França e que falam de homens e mulheres – de quem uma escritora se referiu como geração perdida – vivendo o entre-guerras e a frustração de ser humano e o quanto isso representa de impotência e fragilidade. Eu achava que isso acontecia em decorrência de minha péssima formação em escolas públicas e minhas leituras mal orientadas. Cheguei a escrever para um amigo, lamentando essa falha em meu caráter. Por que eu me sinto mais identificado com Fitzgerald do que Graciliano, e por que kind of blue me encanta mais do que Samarica Parteira?

Não estou dizendo que nossos escritores e músicos sejam melhores ou piores. Estou dizendo que um livro ou disco, escrito ou gravado quase cem anos atrás e milhares de quilômetros longe de meu país me encanta e me causa felicidade. E isso tudo também por uma relação narcisista. Porque de algum modo e apesar de todo estranhamento, eu, nascido em Pernambuco, Nordeste do Brasil me encontro ali. Vislumbro meu reflexo.

Não me sinto mais constrangido. Leio e escuto o que me traz felicidade, mesmo que o Ariano me considere um mentecapto. 

12 maio 2009

Teimosia


Dizer que um escritor segue a tradição não é afirmar em outras palavras que ele seja cultor de formas anacrônicas ou temas idem; não confundir com neoclassicismo. Também não é acusá-lo de plágio, tampouco fazê-lo herdeiro de uma herança segundo a contingência da legitimidade do sangue; nada a ver com a ética aristocrática, mas com a ética segundo Hesíodo; estamos falando do esforço da labuta, do direito adquirido, por que conquistado.

O texto acima é o primeiro parágrafo de um artigo que escrevi faz uns dez anos. Na época eu achava que tudo se resumia numa equação elementar: dedicação e labuta. Hoje eu sei que não é tão simples, mas ainda não desisti e consigo extrair consolo de uma frase de Flaubert: “Não importa, terei algum valor por minha teimosia.”

26 abril 2009

Max Brod

Num artigo, Harold Bloom, o crítico americano, vaticinou que o jovem leitor que começar suas leituras pelo Harry Potter não evoluirá para leituras mais sofisticadas, como os clássicos. Na ocasião em que li essa opinião, recordei-me de um jovem que conheci quando morava com os meus pais. Ele devorava os livros de Agatha Christie, e quando leu o último das oitenta e tantas novelas da autora inglesa entrou em crise, somente resolvida quando se decidiu reler os livros. Depois disso eu não acompanhei mais o caso, mas naquela ocasião ler outros livros que não fossem os de Agatha Christie não fazia o menor sentido para ele.

Também me recordo de um colega de escola que não podia passar um dia sequer sem ler o seu bom e velho faroeste de bolso, livros de qualidade literária duvidosa e pior traduzido. Este eu reencontro depois de muitos anos e não sei se porque o hábito faz o monge ou se por uma grande coincidência, encontro-o com um romance de Elmore Leonard. Ele não evoluiu para outro gênero, apenas melhorou suas escolhas de autor.

O fato é que normalmente um bom livro está associado a desafio. Desafio intelectual. Um bom livro pede nossa participação no processo criativo, e isso não é novo, a bíblia é um desses exemplos. Ler requer esforço, coisa bem diversa do que nos exige a televisão. Mas alguns não entendem isso. Esperam encontrar nos livros, as mesmas formulas fáceis da televisão. É por isso que os livros incluídos nas modas literárias e que passam semanas, às vezes meses, nas listas dos mais vendidos da Veja, são quase sempre livros de qualidade literária inferior e se constituem unicamente em entretenimento. Um objetivo indigno da literatura, diria Ernesto Sabato.

Acho que o bom livro é mais do que isso, transcende essa fronteira do meramente divertido. Mas o problema é que um livro especial pede um leitor especial. Entende-se por especial alguém capaz de um olhar diferente para a tirania da mídia no seu processo de mediocrização do público consumidor. Não alguém que simplesmente segue a onda. Falo de autocrítica e sensibilidade.

Qual é o problema, então?

Sobre a debilitada moda literária, Carlos Fuentes, no seu Geografia do Romance, citando José María Guellbenzu, diz que “a criação literária é elitista; é o acesso a ela que deve ser democrático e isso só se consegue por meio de uma educação para todos que permita erradicar a ignorância.”

Não sei quando isso foi escrito nem em que contexto. Só sei que os bons livros de literatura, aqueles que hoje são o orgulho da nação, que incorporam os maiores paradigmas das línguas que representam, tiveram no ato de sua publicação a pior recepção por parte do público. Não raro da crítica. A lista é enorme, este espaço não me permite enumerar, mas para não ficar muito vago, permito-me citar os romances de Kafka, o Ulisses de Joyce.

Herman Melville foi amado enquanto publicou historias de aventuras no mar, quando ousou ir mais longe com o seu Moby Dick e Bartleby, não vendeu mais nada e quase caiu no esquecimento. Jorge Luis Borges, uma das maiores expressões da literatura do século XX é considerado hoje um escritor lido apenas por escritores.

Osman Lins é conhecido apenas por Lisbela e o Prisioneiro, um exercício de criação literária produzido numa oficina, no começo de sua carreira. Suas obras mais importantes como Avalovara e A Rainha dos Cárceres da Grécia são considerados livros herméticos e somente lidos por escritores. Júlio Cortazar, um dos maiores escritores argentinos disse uma vez que trocaria toda sua obra por Avalovara do escritor brasileiro, de Vitória de Santo Antão, Pernambuco.

Parece-me, às vezes, que os leitores da boa literatura sempre foram raros. Eles não são os membros de uma sociedade secreta prevista para daqui a 50 anos como diz Philip Roth. Eles sempre foram essa sociedade secreta. Sempre foram poucos, espalhados pelo mundo, com sensibilidade como a de Max Brod, primeiro leitor de Kafka.

A educação, aquela referida por Carlos Fuentes, responsável em produzir leitores especiais, não é, certamente, a mesma conseguida nas escolas de hoje, tampouco nas universidades onde se formam médicos, engenheiros ou advogados. Conheço muitos senhores e senhoras que ostentam orgulhosos os canudos que lhes emprestam títulos, honrarias e dinheiro no banco. E entre a grande maioria dessas bestas, não há nenhum Max Brod. A maioria absoluta nunca leu uma obra literária de verdade, e muitos se ressentem do Machado de Assis que foram forçados a ler no segundo grau, sob a ameaça de um equivocado, porém bem intencionado, professor de literatura.

13 abril 2009

Fanatismo

Há um livro delicioso que sempre leio e releio. O escritor e seus fantasmas de Ernesto Sabato é uma coletânea de pequenos textos, fragmentos de cartas, ensaios e resenhas literárias. Não há uma seqüência linear, embora quase tudo gire em torno do mesmo assunto: literatura. No livro, como sugere o título, nos deparamos com os fantasmas do escritor; suas inquietações e obsessões. Costumo ler em voz alta um trecho do livro, acho que foi o que mais me chamou a atenção em toda aquela babel de pequenos textos. Ando para lá e para cá recitando o trecho, sinto que é uma verdade que devo assimilar, por isso assumo uma atitude solene, alguma coisa parecida com os muçulmanos lendo e relendo o Alcorão a fim de que ele comece a fazer parte de sua natureza. No trecho o escritor diz que o fanatismo é a condição mais preciosa do criador, e enfatiza: é preciso ter uma obsessão fanática, nada deve antepor-se a sua criação, deve sacrificar qualquer coisa a ela. Sem esse fanatismo nada de importante pode ser feito.

Hoje, lendo as Cartas de Flaubert, lembrou-me o livro de Sabato. Flaubert também fala, nas cartas, de seus fantasmas, e poucas páginas depois de leitura, percebemos que aquilo que mais preocupou e consumiu sua vida foi a literatura. Dele, podemos dizer, sacrificou tudo em nome da criação. Acho que Fernando Pessoa estava pensando nele quando escreveu seu axioma famoso. Num trecho de uma das cartas, há uma frase que sublinhei: Não se faz nada de grande sem fanatismo.


Provavelmente Ernesto Sabato leu as Cartas de Flaubert, mas talvez nem pensasse nelas no momento em que escreveu sua interpretação da condição mais preciosa do criador.