29 janeiro 2010
metalinguagem
Ricardo Piglia, autor de Respiração Artificial, romance que conta a história de uma busca que inclui a reconstrução da biografia de um possível traidor e um encontro misterioso entre Kafka e Hitler; o catalão Enrique Vila-Matas que a Cosac vem publicando no Brasil desde 2004, autor de Batlerby e Companhia, espécie de romance-relato sobre escritores que por causa da consciência crítica não escreveram ou escreveram um livro ou dois e depois disso renunciaram à escrita e o chileno Roberto Bolaño, morto em 2003 e que vem, desde a década de 90 se notabilizando no mundo como um grande escritor, autor póstumo que nos deixou entre outros Noturno do Chile, A Pista de Gelo, Os detetives Selvagens e Amuleto, narrativa em primeira pessoa por Auxilio Lacouture, artista rippie e louca que se autodeclara mãe de todos os poetas de México, são alguns dos escritores que se encaixam no perfil predito por mim..
Em todos os livros não raro o protagonista é um escritor, às vezes alter ego, às vezes um romancista ou poeta fictício ou histórico, mas todos considerando a vida direta ou indiretamente por trás de uma máquina de escrever.
Tais escritores são alguns dos melhores em língua espanhola (há outros) e quase todos fizeram da própria literatura e suas implicações que ultrapassam o meramente metalingüístico o tema maior de seus escritos. O que é isto?, uma tendência, algo que mais tarde possa ajudar os pesquisadores a identificar alguma coisa próxima de um estilo de época ou uma reação aos piores prognósticos daqueles que vaticinam o fim da literatura? Alguém dirá que talvez não seja nada disso, que talvez não passe da influência de Borges (leitor). Em todo caso não deixa de ser curioso. E fica aí uma boa dica para aqueles que ainda não conheceram os autores citados, sem dúvida uma boa representação do que se faz hoje com a língua de Cervantes.
20 janeiro 2010
história do pranto
O livro não exige o uso de dicionários e, portanto não está desqualificado para ser lido na praia, mas exige alguma atenção do leitor que às vezes percorre uma página inteira e não sai de dentro da mesma frase. São as frases-droga, como chama o autor, que tem a função de arrastar o leitor e narcotizá-lo.
14 janeiro 2010
na praia
Em janeiro o negócio é sair de férias e de preferência se mandar para o litoral. Seria uma ótima opção não fosse um inconveniente. É que com você também se mandam os imbecis. Minha idéia de praia é o seguinte: uma cadeira confortável onde a gente pode se sentar e se deitar quando uma onda de preguiça tomar conta do corpo, principalmente depois de alguns goles a mais de cerveja. Pois bem, antes da preguiça e do exagero alcoólico, nosso corpo ainda se mantém sentado e nós seguramos na mão um bom livro. Não precisa ser nada difícil, Euclides da Cunha não é uma boa idéia nem o autor de Balmaceda tampouco; a preocupação com dicionários e lápis com a ponta que precisa ser refeita de vez em quando não combina muito com a tal cadeira e os pés – descalços – metidos na areia. Eu recomendo um livro que dispense a consulta ao dicionário ou anotações no rodapé, um livro que não subestime nossa inteligência, mas que não superestime tampouco. Um livro que o marulho das ondas não atrapalhe sua leitura, no máximo possa servir de música ao fundo que logo esquecemos tão vidrados ficamos. Eu penso num clássico da literatura noir como O Falcão Maltês de Hammett, por exemplo. É, o Falcão é uma ótima idéia. Um desses livros que provoca prazer e que, talvez por isso e por dispensar dicionários, o Fernando Sabino tão injustamente taxou de descartáveis. Você, sua cadeira dobrável e o Falcão. No mais a areia e o mar rugindo.
Quem sonha poder nas férias ler o seu Hammett sentado na sua cadeira dobrável tem que fazer como eu: evite as aglomerações, corra de São José e Tamandaré, procure as praias desertas, mesmo que o consumo de gasolina ultrapasse o orçamento. Amanhã eu vou pra Tambaba. É verdade que todos tiram a roupa por lá, e isso pode distrair meu Falcão, mas a moça do centro turístico me garantiu uma coisa, disse que o som – o senhor pode confiar – é proibido nas barracas.
11 janeiro 2010
Viagem Vertical
Os romances de Vila-Matas são oportunidades para conversar sobre livros e escritores: O Mal de Montano é assim e Batlerby e companhia também. Ele me lembra Borges, não o escritor – se é que podemos separar as duas figuras –, mas o leitor. Borges disse certa vez que se sentia capaz de passar 24 horas falando sobre literatura. Seus livros atestam isso. Neles o tema mais recorrente é o do mundo representado pela biblioteca. Os contos são ensaios sobre livros. São famosos seus prólogos. Vila-Matas se identifica com Borges, certamente é seu leitor da vida inteira e assim como o escritor argentino ele também se sente atraído pelos livros.
De fato. Até a página 179 – de um total de 252 – o leitor deduz que Viagem Vertical é uma história contada em terceira pessoa que tem como protagonista Mayol – um velho aposentado, dono de uma empresa de seguros que vê a vida vir abaixo no dia em que a mulher lhe faz um estranho pedido. Ele vai desembarcar na Madeira, em Portugal, sem rumo e sem tino, onde encontra por acaso o sobrinho a quem não via fazia anos e que como o tio, também passa por uma crise. Dono de uma solidão que não consegue conter no peito, a personagem ver-se na sua viagem vertical.
Ao que tudo indica Mayol levava uma vida normal, estava aposentado, havia passado a empresa para o comando do primogênito – de quem se orgulhava – e se distraia do fim apostando na convicção de que deixava as coisas em ordem e se sua vida chegava nos últimos momentos, ao menos fez sentido, afinal construiu algo de sólido como a família e a empresa milionária. Em outras palavras, o fim não era encarado com perplexidade, mas com conformismo e parcimônia.
Algo, entretanto, acontece que vai tirar o ancião de tempo. O pedido absurdo da mulher é que ele desapareça da vida dela. A esse choque vem juntar-se a decepção com o filho mais velho que se diz cansado da empresa e do casamento e pior que isso; o ressentimento que nutre pelo filho Julián, um pintor excêntrico que se julga o próprio Toulouse-Lautrec vivendo na Paris boêmia dos anos vinte. Esse filho caçula e solteiro de 42 anos é um imbecil da cabeça aos pés apesar de ser homem culto e instruído. Num episódio recente, recordado por Mayol enquanto caminha pelas tumbas de um cemitério, chama o pai de inculto. Ora, o complexo de inferioridade por ter freqüentado a escola só até os catorze anos é uma frustração que Mayol carrega. Recordar-se da declaração do filho no momento de crise desencadeada pela expulsão da mulher só piora as coisas e o faz se sentir como a última das criaturas.
Na página 179 nos surpreendemos com o narrador. Não é onisciente, não é Vila-Matas, mas o gerente do hotel onde está hospedado Mayol na Madeira. Esse gerente se interessa pela história do velho e vê nela a oportunidade de escrever seu primeiro romance, apresenta o hospede a uma espécie de clube literário e a história do homem em crise acaba incluindo conversas sobre o livro – mesmo os que Mayol disse que leu sem ter lido – e nós, leitores de Vila-Matas, reencontramos o autor que não consegue separar a vida da literatura.
08 janeiro 2010
Cine Privê
Mário, acabei de ler Cine Privê e concordo que se trata de um bom livro, aquilo que me preocupa é quando o Antônio Carlos Viana é apresentado como a melhor expressão do conto no Brasil. Não é bem assim. Os contos são bons, aquilo que ele toma de empréstimo de João Cabral e Graciliano – a prosa enxuta e direta –, conservando ambigüidade e o lance da história que não termina no ponto final são excelentes, mas são recursos utilizados por todo mundo. Todo mundo evita verborragia e quem leu as teses do conto de Piglia sabe que ambigüidade e história secreta são elementos básicos. Tudo bem, imagino que você esteja pensando – como todo mundo, aliás – que a questão não é essa, mas a habilidade do escritor em saber lidar com tais elementos. Concordo, sem dúvida, mas eu posso citar uns dez contistas que fazem isso tão bem e até melhor do que o Viana, quer um exemplo?, o Ronaldo Correia de Brito. Em Viana a prosa enxuta e seca serve para conferir mais efeito nos flagrantes de personagens em situação limite, normalmente advinda da miséria e loucura. Aliás, de miséria e loucura padecem as personagens do Antônio Carlos Viana. Não é uma crítica, todo escritor tem suas obsessões. Não acredito em escritor que não tenha obsessão. A vontade de matar o irmão ou fornicar com a mãe, sofrer na pele e alimentar o despotismo do pai, além da possibilidade de poder recorrer ao suicídio e por isso encontrar lenitivo para continuar vivendo já nos rendeu excelentes obras primas. Mas a força dos contos de Viana parece residir muito mais no choque que nos causa o quanto na merda seus personagens estão afundados do que na realização material da escrita. Ele se orgulha de colocar na fala da personagem o discurso possível daquele personagem, condicionado pelo meio cultural como se isso fosse uma novidade e não uma característica já fartamente utilizada por naturalistas e regionalistas etc. Mas, retomando o que eu falei no início, o cara é bom e tudo mais, apenas não é a melhor expressão da literatura contemporânea. Não pode ser e se for, preocupa-me as veredas estreitas dessas nossas letras nacionais.
06 janeiro 2010
livreiro da província
O ruim de viver na província é que deixamos de usufruir determinadas coisas que só encontramos nos grandes centros como teatro, cinema que não passe apenas as últimas super produções americanas e uma boa livraria. É por isso que o Joaquim se mandou para o Recife.
Todo mundo sabe que brasileiro não lê. Pelo menos não lê como deveria. O número de leitores potenciais de que nos fala Marçal Aquino é de fazer dó, em todo o território brasileiro ele contabilizou 600 ou 500, não me lembro agora. Marçal não estava se referindo aos leitores dos livros que viraram filmes, auto-ajuda ou os pretensos livros psicografados. Esses não contam. Não merecem figurar numa estatística, ou pelo menos não numa estatística que pretendesse medir o bom nível intelectual de leitores.
E para não mudar de negócio porque o bar será sua última opção de sobrevivência, o livreiro da província que não tem na sua cidade sequer uma parcela mínima dos tais leitores potenciais, acata o conselho prudente, perde todo o amor pelo que fazia e passa a morrer todos os anos de uma ulcera gástrica.