29 setembro 2009

Literaturas

Eu gosto de literatura que desafia a inteligência do leitor, afinal sou leitor de Osman Lins e houve um tempo na minha vida que precisei exorcizar o Guimarães Rosa. Também gosto do Samuel Beckett, não o do Como É, mas de Malone morre e os outros da trilogia, além das Novelas (excelentes) e Primeiro Amor que li e reli na edição da Cosac. Também sou leitor de Borges e Faulkner e por ai – se não vou parecer pedante – você percebe que sou um leitor pelo menos razoável. Mas, de vez em quando me deparo com um desses escritores que a crítica consagrou como monstro e coisa e tal e quando estou lendo começo me sentir culpado e infeliz quando percebo que não estou gostando ou não estou entendendo nada. E o engraçado é que também me sinto culpado e infeliz quando leio um autor que faz o caminho inverso, uma literatura que poderíamos chamar – Rodrigo Lacerda chamou – de conservadora do ponto de vista formal, e percebo que aquele livro, livrinho em que aparentemente não há nenhuma preocupação com estilo e o autor parece apenas preocupado em contar uma boa história, está me dando um enorme prazer. Tudo bem que tem o Philip Roth que pode ser muito bem enquadrado no perfil de escritor conservador, e há também o Cormac McCarthy que não é propriamente um experimentalista, e o Jorge Amado, Rubem Fonseca, Mário Vargas Llosa etc. Então fico me perguntando: por que a crítica se comporta assim, por que medir o valor de um livro concedendo-lhe maior ou menor mérito a partir do grau de parentesco que ele estabelece com Finnegans Wake?

23 setembro 2009

dois contos dA Razão Selvagem

Em Redes há um jogo interessante com o termo e suas variantes. É a rede onde a personagem se balança. A rede ou teia da aranha, mais tarde comparada com a clínica, outra rede, onde ele e os outros internos estão presos como insetos. É o monólogo de um louco. Ele está numa clínica, balança-se numa rede e faz comentários a respeito do ambiente além de descrever os volteios de uma aranha que se move carregando sua pata morta. Não fosse a constatação da loucura, eu diria que estamos diante de um personagem saído de um livro de Beckett.

A aranha carrega em si a impossibilidade de caminhar livremente. O obstáculo que se interpõe entre a aranha e seu percurso é essa perna morta, o peso morto, uma suprema dificuldade que a aranha não pode prescindir, assim como a loucura dele que o prende à clínica. A personagem, em primeira pessoa, sofre de esquizofrenia e é a influencia da doença, a lógica do doido, que dá o ritmo do conto. Ele se refere a vozes, teme ser aborrecido por alguém que não conhecemos e menciona a intenção de derrubarem a clínica. Seu único lampejo de lucidez é perceber que é de todos aqueles iguais a ele, o único a não receber visita naquele dia de visitas.

Em Apartamentos um cara depois de atingir certa condição financeira se põe a considerar a possibilidade de investir no ramo imobiliário. Antes disso, porém, resolve viajar e em suas viagens fotografa cidades vazias. Quando retorna monta uma exposição das fotografias e publica um álbum com uma seleção das melhores fotos. Não obtém sucesso nem com a exposição nem com o livro. Arruinado, vende o apartamento onde morava e passa a ocupar um pequeno quarto no apartamento da irmã. Meses depois, parece que num táxi – na verdade não sabe precisar –, surge a obsessão de fotografar apartamentos vazios. A imobiliária não desconfia de seu verdadeiro propósito, fornece-lhe as chaves dos apartamentos e ele passa a visitá-los levando consigo sua Pratika.

Mas os apartamentos, embora fechados, contêm os barulhos da rua e em todas as incursões ele sempre se depara com alguém. Há um pai e uma filha, cada um apresentando o outro como louco. No final resta ao leitor alguma dúvida sobre a quem atribuir menos sanidade.

Em outro apartamento, uma mulher bate à porta, talvez alguém interessado pelo imóvel. Eles não se conhecem e em poucos minutos estão entregues aos prazeres do corpo numa situação muito próxima ao animalesco. Mais tarde ele vai se lembrar dela e se masturbar para preencher sua falta.

A busca pelo apartamento vazio se revela mais uma identificação pelos espaços vazios do que mera idiossincrasia de artista. No final, não há um sentido, uma lógica, só há o vazio impossível de preencher.

15 setembro 2009

quem já leu Francisco de Morais Mendes?

A primeira vez que ouvi falar de Francisco de Morais Mendes, foi na Livraria Cultura, durante o último festival de literatura do Recife. Fernando Monteiro dividia a mesa com Rogério Pereira, editor do Rascunho, e entre uma coisa e outra aquilo de que mais me lembro foram as reclamações de Fernando sobre o desinteresse das editoras do Brasil em editar literatura de boa qualidade e o nível de ignorância dos leitores.

Quem já leu Francisco de Morais Mendes? No meio das várias pessoas emudecidas lá estava eu. Fiquei curioso e comprei pela internet o livro de contos, segundo Fernando Monteiro, uma das melhores coisas já editadas no Brasil. Mas não foi fácil. Não encontrei no site da Cultura nem em qualquer outra livraria. Não constava no catálogo nem como esgotado. E depois de procurar com a ajuda de Helder, encontrei num sebo de São Paulo. A edição, em bom estado, de 2003, custou-me cinco reais e a razão porque não encontrei nas livrarias eu entendi logo que o livro me foi entregue pelo correio. A editora do livro, ciência do acidente, é pequena, talvez nem exista mais e seu poder de distribuição do livro parece que não ultrapassou os limites da região sudeste.

a razão selvagem é composto de sete contos, sendo dois deles, a crítica da razão selvagem e um diário para SD, os mais volumosos, trinta páginas mais ou menos.

Nos sete contos o autor nos apresenta uma galeria de personagens marcadas por uma espécie de auto-exílio. São incapazes de se comunicar. Incapazes de se relacionar e sofrem de alguma compulsão ou obsessão que expressam seu mal estar e deslocamento do mundo. Esse aspecto de paranóia, entretanto, tão comum em alguns escritores americanos como Pynchon, DeLillo e Paul Auster com quem Francisco Mendes certamente dialoga, não foi o que mais me chamou a atenção em a razão selvagem, mas a maneira como as histórias se estruturam, partindo de um núcleo central e nos levando não a situações incomuns como faz Cortázar, mas aos desdobramentos de situações comuns.

Aspereza e densidade são dois adjetivos que cabem muito bem para classificar a prosa desse mineiro que faz uma literatura na contramão de livros fáceis e campeões de vendas que tanto agradam aos leitores medianos e irritam o Fernando Monteiro.