Eu gosto de literatura que desafia a inteligência do leitor, afinal sou leitor de Osman Lins e houve um tempo na minha vida que precisei exorcizar o Guimarães Rosa. Também gosto do Samuel Beckett, não o do Como É, mas de Malone morre e os outros da trilogia, além das Novelas (excelentes) e Primeiro Amor que li e reli na edição da Cosac. Também sou leitor de Borges e Faulkner e por ai – se não vou parecer pedante – você percebe que sou um leitor pelo menos razoável. Mas, de vez em quando me deparo com um desses escritores que a crítica consagrou como monstro e coisa e tal e quando estou lendo começo me sentir culpado e infeliz quando percebo que não estou gostando ou não estou entendendo nada. E o engraçado é que também me sinto culpado e infeliz quando leio um autor que faz o caminho inverso, uma literatura que poderíamos chamar – Rodrigo Lacerda chamou – de conservadora do ponto de vista formal, e percebo que aquele livro, livrinho em que aparentemente não há nenhuma preocupação com estilo e o autor parece apenas preocupado em contar uma boa história, está me dando um enorme prazer. Tudo bem que tem o Philip Roth que pode ser muito bem enquadrado no perfil de escritor conservador, e há também o Cormac McCarthy que não é propriamente um experimentalista, e o Jorge Amado, Rubem Fonseca, Mário Vargas Llosa etc. Então fico me perguntando: por que a crítica se comporta assim, por que medir o valor de um livro concedendo-lhe maior ou menor mérito a partir do grau de parentesco que ele estabelece com Finnegans Wake?
29 setembro 2009
23 setembro 2009
dois contos dA Razão Selvagem
Em Redes há um jogo interessante com o termo e suas variantes. É a rede onde a personagem se balança. A rede ou teia da aranha, mais tarde comparada com a clínica, outra rede, onde ele e os outros internos estão presos como insetos. É o monólogo de um louco. Ele está numa clínica, balança-se numa rede e faz comentários a respeito do ambiente além de descrever os volteios de uma aranha que se move carregando sua pata morta. Não fosse a constatação da loucura, eu diria que estamos diante de um personagem saído de um livro de Beckett.
A aranha carrega em si a impossibilidade de caminhar livremente. O obstáculo que se interpõe entre a aranha e seu percurso é essa perna morta, o peso morto, uma suprema dificuldade que a aranha não pode prescindir, assim como a loucura dele que o prende à clínica. A personagem, em primeira pessoa, sofre de esquizofrenia e é a influencia da doença, a lógica do doido, que dá o ritmo do conto. Ele se refere a vozes, teme ser aborrecido por alguém que não conhecemos e menciona a intenção de derrubarem a clínica. Seu único lampejo de lucidez é perceber que é de todos aqueles iguais a ele, o único a não receber visita naquele dia de visitas.
Em Apartamentos um cara depois de atingir certa condição financeira se põe a considerar a possibilidade de investir no ramo imobiliário. Antes disso, porém, resolve viajar e em suas viagens fotografa cidades vazias. Quando retorna monta uma exposição das fotografias e publica um álbum com uma seleção das melhores fotos. Não obtém sucesso nem com a exposição nem com o livro. Arruinado, vende o apartamento onde morava e passa a ocupar um pequeno quarto no apartamento da irmã. Meses depois, parece que num táxi – na verdade não sabe precisar –, surge a obsessão de fotografar apartamentos vazios. A imobiliária não desconfia de seu verdadeiro propósito, fornece-lhe as chaves dos apartamentos e ele passa a visitá-los levando consigo sua Pratika.
Mas os apartamentos, embora fechados, contêm os barulhos da rua e em todas as incursões ele sempre se depara com alguém. Há um pai e uma filha, cada um apresentando o outro como louco. No final resta ao leitor alguma dúvida sobre a quem atribuir menos sanidade.
Em outro apartamento, uma mulher bate à porta, talvez alguém interessado pelo imóvel. Eles não se conhecem e em poucos minutos estão entregues aos prazeres do corpo numa situação muito próxima ao animalesco. Mais tarde ele vai se lembrar dela e se masturbar para preencher sua falta.
A busca pelo apartamento vazio se revela mais uma identificação pelos espaços vazios do que mera idiossincrasia de artista. No final, não há um sentido, uma lógica, só há o vazio impossível de preencher.
15 setembro 2009
quem já leu Francisco de Morais Mendes?
A primeira vez que ouvi falar de Francisco de Morais Mendes, foi na Livraria Cultura, durante o último festival de literatura do Recife. Fernando Monteiro dividia a mesa com Rogério Pereira, editor do Rascunho, e entre uma coisa e outra aquilo de que mais me lembro foram as reclamações de Fernando sobre o desinteresse das editoras do Brasil em editar literatura de boa qualidade e o nível de ignorância dos leitores.
Nos sete contos o autor nos apresenta uma galeria de personagens marcadas por uma espécie de auto-exílio. São incapazes de se comunicar. Incapazes de se relacionar e sofrem de alguma compulsão ou obsessão que expressam seu mal estar e deslocamento do mundo. Esse aspecto de paranóia, entretanto, tão comum em alguns escritores americanos como Pynchon, DeLillo e Paul Auster com quem Francisco Mendes certamente dialoga, não foi o que mais me chamou a atenção em a razão selvagem, mas a maneira como as histórias se estruturam, partindo de um núcleo central e nos levando não a situações incomuns como faz Cortázar, mas aos desdobramentos de situações comuns.
Aspereza e densidade são dois adjetivos que cabem muito bem para classificar a prosa desse mineiro que faz uma literatura na contramão de livros fáceis e campeões de vendas que tanto agradam aos leitores medianos e irritam o Fernando Monteiro.