09 setembro 2019


Causou polêmica a censura imposta pelo prefeito do Rio ao beijo gay exibido na hq dos Vingadores. Todo mundo saiu em defesa da hq, em defesa da democracia, do estado laico e do direito que têm os gays de demonstrar, também eles, amor e afeto seja na hq, seja na tv ou no cinema. Todo mundo parece concordar que o que esse prefeito fez foi uma ofensa, um ato criminoso, manifestação irrestrita da mais abjeta homofobia. E é isso mesmo, mas o que ninguém parece perceber é que não há evangélico sem a sua religião, que o que diz o evangélico fundamentalista não é nada que não esteja amparado no Livro. Fala-se muito no indivíduo movido por sua fé, mas pouco dessa fé. Parece que há um consenso que existe evangélico homofóbico, mas não existe religião homofóbica, que há pastores homofóbicos, mas não há Livros sagrados homofóbicos. A Bìblia só prega o amor.
A maioria das igrejas evangélicas acredita na cura gay. E se há uma cura prevista é porque há uma doença, um mal que precisa ser curado. Todo mundo só se lembra de Jesus entre as putas, mendigos, ladrões e toda horda de párias para os quais ele veio porque foi para os doentes que ele veio. Perdoa teu inimigo, disse ele, não uma vez, mas as vezes que forem necessárias multiplicadas pelo infinito. Foi Jesus quem mandou atirar a pedra aquele que nunca pecou na hora do julgamento da mulher adúltera. Jesus, portanto, é muito diferente do Crivella e de uma parcela significativa de evangélicos. Jesus é muito diferente do eleitor de Bolsonaro, não consigo ver Jesus apologista da Ditadura Militar nem apoiador entusiasta de criminosos torturadores, Jesus certamente perdoaria uma mulher que fez aborto e jamais concordaria com a pena de morte. Jesus jamais diria bandido bom é bandido morto. Esse, felizmente, é o Jesus de quem gostamos, é o Jesus normalmente ignorado por esses religiosos. Mas mesmo tão bom, Jesus diria assim a um homossexual: Vá e não peques. Diria o mesmo que disse à mulher adultera. Vá e não peques, vá e não se deite novamente com o outro do mesmo sexo, e Jesus diria isso porque Jesus com toda sua bondade e apesar de toda bondade também era religioso, e os religiosos, pelo menos do monoteísmo, não aceitam que homens se deitem com outros homens, tal prática, para Deus, o mesmo Deus Cristão, Judaico ou Islâmico, é abominação. Está lá no Livro, não foi o Crivella quem inventou. Então não é só o Crivella que atenta contra a Democracia, o Estado laico e o direito que têm os gays de se beijarem numa hq, não é só o Crivela o monstro preconceituoso, a coisa é mais séria. 
O Brasil caminha para o fundamentalismo, se as coisas continuarem como estão, logo seremos uma sociedade teocrática, a bancada evangélica só faz crescer, o presidente da república diz que é preciso indicar um ministro do supremo terrivelmente evangélico, é sabido que a Universal do Reino de Deus tem um projeto de poder, Dória é cotado para as eleições de 2022. É preciso, portanto, de uma discussão séria. É preciso menos condescendência, é preciso parar de fingir que são só casos isolados de indivíduos preconceituosos. E não é só os gays que estão ameaçados, aumentou muito os ataques aos terreiros do candomblé e centros espíritas e os ateus não perdem por esperar.

03 maio 2019

Tolerância é uma palavra em moda, principalmente nesses tempos de terrorismo, obscurantismo e Bolsonarismo. Eu, particularmente, não gosto muito dela, devia-se inventar outro termo para representar a pacífica convivência entre os “diferentes”. Ela é bem empregada quando se diz: tolerei a agonia de uma cadeira espanhola e não confessei nenhuma das injúrias de que fui acusado ou tolerei a humilhação de portar a estrela tanto em Bagdá quanto na Alemanha Nazista ou tolerei a anexação da Cisjordânia. Conviver entre os “diferentes” não deveria ser uma prova de bravura. Daquele que suporta a dor. Não é possível tolerar a dor indefinidamente, afinal somos humanos e resistir não é exatamente o nosso forte. Conviver com o “diferente” deveria ser encarado com estoicismo, algo assim: ele é diferente e por isso me desagrada, mas esse sentimento “destrutivo” pode ser um erro de julgamento. Acho que o caminho é por aí, a reflexão filosófica. Não a religiosa. A religião só divide. Nada de achar que o outro é infiel. O infiel merece a morte tanto no Corão 4,95 - 101 quanto em Deuteronômio 13,12 - 16. O ideal seria ouvir mais imagine de John Lennon, mas a gente sabe que não é tão simples assim. Outro dia, aqui no facebook, um de meus amigos, certamente movido pela melhor das intenções e comentando um crime hediondo, disse: isso é coisa de quem não tem Deus no coração. O que ele quis dizer? Que os ateus são assassinos? É por isso que eu digo que essa palavra, tolerância, não serve, é preciso inventar outra, mais doce, senão continuamos assim: intolerantes com a melhor das intenções.

13 maio 2014

Machado de Assis e a histeria fast food

Uma professora que se rendeu à cultura do fácil, inspirada, talvez, na comida fast food, reescreve e torna fácil o Machado, substituindo sinônimos, pasteurizando etc só por causa das reclamações de seus alunos que consideram todo clássico um saco. Lógico que isso é absurdo, em literatura pouco importa o que se diz, mas como diz e nisso a atitude da professora se mostra equivocada. Essa questão para mim e para quase todo mundo com quem conversei parece muito fácil de resolver, a sorte dela é que não mais existem fogueiras da inquisição para queimar os possuídos do diabo – no caso da professora, os despossuídos da razão.  Eu amo Machado de Assis por suas soluções, aprecio seu narrador escorregadio, aprecio nele o precursor de Borges. Machado de Assis não precisa de sinônimos que atualizem sua linguagem. Ele é o fundador da modernidade. Nessa história, todo mundo já sabe, existem dois vilões, a professora e sua equipe de prestidigitadores e o Ministério da Cultura que apoiou a causa. Nenhuma novidade, portanto. Uma coisa, entretanto, chamou-me a atenção. Tem gente – e gente da melhor espécie – que pensa que o importante mesmo é que o jovem leia, não importa o quê. Todos os livros, não importam de que anão ou fada estamos falando. O importante é ler. Como se ler garantisse a salvação. Jesus não salva, ler o evangelho sim. Acho isso uma histeria. Quem disse que todo mundo precisa ler? Quem disse que para o outro – um outro que imagino agora – a experiência de ler é tão importante como foi para mim, por exemplo e para muitos, como para você que está lendo este texto? Vamos reservar ao outro o direito de também não ler. No evento Clisertão, ouvindo a história do Rogério Pereira sobre sua experiência de leitor a gente nota que ele teve todos os motivos do mundo – e a história dele não é diferente da minha, talvez pouco diferente da sua, leitor amigo – para não ler, desde pais analfabetos a péssimas condições de vida quando o que importava era a sobrevivência, isso, entretanto, não o impediu de ser leitor. É claro que devemos fazer a nossa parte, é preciso investir na educação, pagar e preparar professores, devemos ler para nossos filhos, comprar livros etc, mas nada de histeria, nada de querer adaptar Machado de Assis ou outro clássico para a linguagem de hoje. Quem não gostou do Machado original tampouco vai gostar na versão fast food.

15 fevereiro 2014

Analisando o caso

Analisando o caso Caio Silva de Souza, o rapaz de 22 anos, da Baixada Fluminense, responsável pela morte do cinegrafista, depois de manusear artefatos explosivos, notamos sem conter nossa frustração, que ele não era nenhum ativista político, anarquista tampouco, que nunca terminou o ensino médio, e que provavelmente nunca leu um livro na vida, muito menos Proudhon. Que não fazia parte de nenhuma célula terrorista, oriunda de uma republiqueta islâmica incrustada no século XIV. Não, o Caio, de acordo com as investigações, não é ninguém. Só um cara pobre. Tudo indica que ele e outros jovens recebiam 150 reais de políticos para provocar baderna nas manifestações de rua.


Diante do caso percebemos que as coisas assumem outro grau de complexidade quando nos dispomos a ir mais fundo. Diz que generalizar é o que faz o néscio quando apenas se permite uma análise superficial. Aprofundar-se diante de um tema, de uma discussão, é, às vezes, incorrer no risco de encarar as contradições do nosso próprio discurso. O Brasil está muito (acho que sempre foi) político-partidário. A oposição ao Governo nunca foi tão debilitada. Não há uma discussão séria, apenas nos encarregamos de reproduzir outro episódio da Torre de Babel. Está difícil enxergar por trás da cortina de fumaça, mas uma coisa é certa: o que importa é a verdade. O rapaz, claro, vai ser enquadrado e preso, mas isso é só a ponta do iceberg; estamos lidando com algo muito mais sério do que homicídio não intencional. 

13 fevereiro 2014

Tempo de intolerância




Tolerância é uma palavra em moda, principalmente nesses tempos de terrorismo. Eu, particularmente, não gosto muito dela, devia-se inventar outro termo para representar a pacífica convivência entre os “diferentes”. Ela é bem empregada quando se diz: tolerei a agonia de uma cadeira espanhola e não confessei nenhuma das injúrias de que fui acusado ou tolerei a humilhação de portar a estrela tanto em Bagdá quanto na Alemanha Nazista ou tolerei a anexação da Cisjordânia. Conviver entre os “diferentes” não deveria ser uma prova de bravura. Daquele que suporta a dor. Não é possível tolerar a dor indefinidamente, afinal somos humanos e resistir não é exatamente o nosso forte. Conviver com o “diferente” deveria ser encarado com estoicismo, algo assim: ele é diferente e por isso me desagrada, mas esse sentimento “destrutivo” pode ser um erro de julgamento. Acho que o caminho é por aí, a reflexão filosófica. Não a religiosa. A religião só divide. Nada de achar que o outro é infiel. O infiel merece a morte tanto no Corão 4,95 - 101 quanto em Deuteronômio 13,12 - 16. O ideal seria ouvir mais imagine de John Lennon, mas a gente sabe que não é tão simples assim. Outro dia, aqui no face book, um de meus amigos, certamente movido pela melhor das intenções e comentando um crime hediondo, disse: isso é coisa de quem não tem Deus no coração. O que ele quis dizer? Que os ateus são assassinos? É por isso que eu digo que essa palavra, tolerância, não serve, é preciso inventar outra, mais doce, senão continuamos assim: intolerantes com a melhor das intenções.     

O tempo envelhece depressa


O tempo. Muitos já se encarregaram desse tema: poetas, romancistas, filósofos. É possível citar alguns livros famosos, lembro-me de Lete de Harald Weinrich, alguém vai se lembrar de Borges e o rio de Heráclito. É sobre o tempo o livro de contos de Antônio Tabucchi. O tempo envelhece depressa é o título. Li numa assentada. Fininho, pouco mais de 150 páginas.
Antônio nasceu na Itália, dizia que costumava sonhar em português, e não há nada de estranho nisso, não para quem se apaixonou pela poesia de Fernando Pessoa, o poeta dos heterônimos que se converteria em personagem do próprio Tabucchi. Dizem que encontrou o poema Tabacaria num quiosque perto da Gare de Lyon, Paris, assinado por Álvaro de Campos. Desse dia em diante se interessou pelas coisas de Portugal, tanto que se casou com uma portuguesa: D. Maria José de Lancastre de Melo Sampaio, filha de baronesa e neta de conde.
Fico imaginando o Antônio perdido nas ruas e becos de Paris, uma grande cidade, não resta dúvida, uma cidade estrangeira; ele cruza as ruas e desaparece na multidão. Acho que melhor descrição não caberia para as personagens de O tempo envelhece depressa. Para quem os observa de longe: transeuntes. Um pouquinho mais perto e a gente nota a diferença: alguns estão em terra estrangeira, são homens cultos na sua maioria, poliglotas e leitores de Homero, mas estão velhos, alguns senis e além da paisagem: o efêmero.
Como em outros livros do autor, nesse há referências literárias, o “pobre rapaz de Praga que acordou fora de contexto” do conto Clof, clop, clofete, clopete é Gregor Samsa e como ele as personagens de O tempo envelhece depressa também estão atordoados, não com a metamorfose. Não há nenhuma além do corpo jovem que se fez velho. Também não é a cidade estrangeira. A descrição da paisagem é quase sempre dada a um narrador sensível que faz disso motivo de reflexão e apreciação da arte. O atordoamento porque se acordou fora de contexto é provocado pelo tempo que passou depressa e nos deixou incompletos, fragmentados.

O tempo de Antônio Tabucchi acabou no dia 25 de março de 2012. Ele nem fizera ainda 69 anos.

26 junho 2013

FLIG 2013

Foi anunciado que em setembro deste ano o FLIG, festival de literatura de Garanhuns, vai ressuscitar. O evento teve três edições, nas ocasiões, realizado pela Academia de Letras de Garanhuns, APL e UBE.  João Marques, o presidente da Academia e a Prefeitura de Garanhuns estão somando esforços para realizar o milagre de trazer o morto à vida. Isso é bom, e acontece num momento favorável quando a produção literária local chama a atenção da capital. E melhor ainda será se os organizadores do evento aprenderam com a experiência.

A morte do festival foi anunciada em sua primeira edição, e eu fui o chato que chamou a atenção de todos para o fato. O formato do evento não agradou, trazia o selo de validade vencido, acontecia no palco do teatro, a uma distância enorme do público, havia uma mesa muito parecida com aquela em que Cristo comeu seu triste e último desjejum, era ali onde se estreitava o escritor, exprimido por um tal presidente da mesa e um tal relator, dois Judas de imobilidade e serventia. Além da falta de apoio, foi a pompa e formalidade o outro vilão que ultimou o evento na sua terceira edição. Não funciona assim, é preciso mudar, a Academia tem sua ritualística, seu ritmo que de jeito nenhum deve imprimir ao festival, este obedece a outra lógica, ambiciona outro público além da homogenia audiência dos acadêmicos, e como ninguém é obrigado a comparecer, o festival deve se atrever a acreditar que os jovens possam se interessar por uma conversa de escritores.


Outra coisa importante é evitar a segregação. Isso mesmo. Não existe esse negócio de literatura de Pernambuco ou de Garanhuns ou de Nova Iorque. Existe literatura boa e literatura que não presta. Quando se faz um evento para mostrar a literatura de Pernambuco, quando essa é a justificativa do evento, acaba se prestando um desserviço ao escritor. É como se por trás disso houvesse uma lógica fascista que dita uma regra: de um lado a literatura e do outro a literatura de Pernambuco. O evento deve convidar bons escritores, escritores jovens, escritores daqui e escritores já maduros com obras publicadas por grandes selos e distribuídas no Brasil. Vamos conversar, convidar críticos literários para mediar as mesas e discutir crítica literária, vamos fazer bonito e chamar a atenção de todos para um evento enxuto, sem provincianismo.