13 maio 2014

Machado de Assis e a histeria fast food

Uma professora que se rendeu à cultura do fácil, inspirada, talvez, na comida fast food, reescreve e torna fácil o Machado, substituindo sinônimos, pasteurizando etc só por causa das reclamações de seus alunos que consideram todo clássico um saco. Lógico que isso é absurdo, em literatura pouco importa o que se diz, mas como diz e nisso a atitude da professora se mostra equivocada. Essa questão para mim e para quase todo mundo com quem conversei parece muito fácil de resolver, a sorte dela é que não mais existem fogueiras da inquisição para queimar os possuídos do diabo – no caso da professora, os despossuídos da razão.  Eu amo Machado de Assis por suas soluções, aprecio seu narrador escorregadio, aprecio nele o precursor de Borges. Machado de Assis não precisa de sinônimos que atualizem sua linguagem. Ele é o fundador da modernidade. Nessa história, todo mundo já sabe, existem dois vilões, a professora e sua equipe de prestidigitadores e o Ministério da Cultura que apoiou a causa. Nenhuma novidade, portanto. Uma coisa, entretanto, chamou-me a atenção. Tem gente – e gente da melhor espécie – que pensa que o importante mesmo é que o jovem leia, não importa o quê. Todos os livros, não importam de que anão ou fada estamos falando. O importante é ler. Como se ler garantisse a salvação. Jesus não salva, ler o evangelho sim. Acho isso uma histeria. Quem disse que todo mundo precisa ler? Quem disse que para o outro – um outro que imagino agora – a experiência de ler é tão importante como foi para mim, por exemplo e para muitos, como para você que está lendo este texto? Vamos reservar ao outro o direito de também não ler. No evento Clisertão, ouvindo a história do Rogério Pereira sobre sua experiência de leitor a gente nota que ele teve todos os motivos do mundo – e a história dele não é diferente da minha, talvez pouco diferente da sua, leitor amigo – para não ler, desde pais analfabetos a péssimas condições de vida quando o que importava era a sobrevivência, isso, entretanto, não o impediu de ser leitor. É claro que devemos fazer a nossa parte, é preciso investir na educação, pagar e preparar professores, devemos ler para nossos filhos, comprar livros etc, mas nada de histeria, nada de querer adaptar Machado de Assis ou outro clássico para a linguagem de hoje. Quem não gostou do Machado original tampouco vai gostar na versão fast food.

15 fevereiro 2014

Analisando o caso

Analisando o caso Caio Silva de Souza, o rapaz de 22 anos, da Baixada Fluminense, responsável pela morte do cinegrafista, depois de manusear artefatos explosivos, notamos sem conter nossa frustração, que ele não era nenhum ativista político, anarquista tampouco, que nunca terminou o ensino médio, e que provavelmente nunca leu um livro na vida, muito menos Proudhon. Que não fazia parte de nenhuma célula terrorista, oriunda de uma republiqueta islâmica incrustada no século XIV. Não, o Caio, de acordo com as investigações, não é ninguém. Só um cara pobre. Tudo indica que ele e outros jovens recebiam 150 reais de políticos para provocar baderna nas manifestações de rua.


Diante do caso percebemos que as coisas assumem outro grau de complexidade quando nos dispomos a ir mais fundo. Diz que generalizar é o que faz o néscio quando apenas se permite uma análise superficial. Aprofundar-se diante de um tema, de uma discussão, é, às vezes, incorrer no risco de encarar as contradições do nosso próprio discurso. O Brasil está muito (acho que sempre foi) político-partidário. A oposição ao Governo nunca foi tão debilitada. Não há uma discussão séria, apenas nos encarregamos de reproduzir outro episódio da Torre de Babel. Está difícil enxergar por trás da cortina de fumaça, mas uma coisa é certa: o que importa é a verdade. O rapaz, claro, vai ser enquadrado e preso, mas isso é só a ponta do iceberg; estamos lidando com algo muito mais sério do que homicídio não intencional. 

13 fevereiro 2014

Tempo de intolerância




Tolerância é uma palavra em moda, principalmente nesses tempos de terrorismo. Eu, particularmente, não gosto muito dela, devia-se inventar outro termo para representar a pacífica convivência entre os “diferentes”. Ela é bem empregada quando se diz: tolerei a agonia de uma cadeira espanhola e não confessei nenhuma das injúrias de que fui acusado ou tolerei a humilhação de portar a estrela tanto em Bagdá quanto na Alemanha Nazista ou tolerei a anexação da Cisjordânia. Conviver entre os “diferentes” não deveria ser uma prova de bravura. Daquele que suporta a dor. Não é possível tolerar a dor indefinidamente, afinal somos humanos e resistir não é exatamente o nosso forte. Conviver com o “diferente” deveria ser encarado com estoicismo, algo assim: ele é diferente e por isso me desagrada, mas esse sentimento “destrutivo” pode ser um erro de julgamento. Acho que o caminho é por aí, a reflexão filosófica. Não a religiosa. A religião só divide. Nada de achar que o outro é infiel. O infiel merece a morte tanto no Corão 4,95 - 101 quanto em Deuteronômio 13,12 - 16. O ideal seria ouvir mais imagine de John Lennon, mas a gente sabe que não é tão simples assim. Outro dia, aqui no face book, um de meus amigos, certamente movido pela melhor das intenções e comentando um crime hediondo, disse: isso é coisa de quem não tem Deus no coração. O que ele quis dizer? Que os ateus são assassinos? É por isso que eu digo que essa palavra, tolerância, não serve, é preciso inventar outra, mais doce, senão continuamos assim: intolerantes com a melhor das intenções.     

O tempo envelhece depressa


O tempo. Muitos já se encarregaram desse tema: poetas, romancistas, filósofos. É possível citar alguns livros famosos, lembro-me de Lete de Harald Weinrich, alguém vai se lembrar de Borges e o rio de Heráclito. É sobre o tempo o livro de contos de Antônio Tabucchi. O tempo envelhece depressa é o título. Li numa assentada. Fininho, pouco mais de 150 páginas.
Antônio nasceu na Itália, dizia que costumava sonhar em português, e não há nada de estranho nisso, não para quem se apaixonou pela poesia de Fernando Pessoa, o poeta dos heterônimos que se converteria em personagem do próprio Tabucchi. Dizem que encontrou o poema Tabacaria num quiosque perto da Gare de Lyon, Paris, assinado por Álvaro de Campos. Desse dia em diante se interessou pelas coisas de Portugal, tanto que se casou com uma portuguesa: D. Maria José de Lancastre de Melo Sampaio, filha de baronesa e neta de conde.
Fico imaginando o Antônio perdido nas ruas e becos de Paris, uma grande cidade, não resta dúvida, uma cidade estrangeira; ele cruza as ruas e desaparece na multidão. Acho que melhor descrição não caberia para as personagens de O tempo envelhece depressa. Para quem os observa de longe: transeuntes. Um pouquinho mais perto e a gente nota a diferença: alguns estão em terra estrangeira, são homens cultos na sua maioria, poliglotas e leitores de Homero, mas estão velhos, alguns senis e além da paisagem: o efêmero.
Como em outros livros do autor, nesse há referências literárias, o “pobre rapaz de Praga que acordou fora de contexto” do conto Clof, clop, clofete, clopete é Gregor Samsa e como ele as personagens de O tempo envelhece depressa também estão atordoados, não com a metamorfose. Não há nenhuma além do corpo jovem que se fez velho. Também não é a cidade estrangeira. A descrição da paisagem é quase sempre dada a um narrador sensível que faz disso motivo de reflexão e apreciação da arte. O atordoamento porque se acordou fora de contexto é provocado pelo tempo que passou depressa e nos deixou incompletos, fragmentados.

O tempo de Antônio Tabucchi acabou no dia 25 de março de 2012. Ele nem fizera ainda 69 anos.