Uma
professora que se rendeu à cultura do fácil, inspirada, talvez, na comida fast
food, reescreve e torna fácil o Machado, substituindo sinônimos, pasteurizando
etc só por causa das reclamações de seus alunos que consideram todo clássico um
saco. Lógico que isso é absurdo, em literatura pouco importa o que se diz, mas
como diz e nisso a atitude da professora se mostra equivocada. Essa questão
para mim e para quase todo mundo com quem conversei parece muito fácil de
resolver, a sorte dela é que não mais existem fogueiras da inquisição para
queimar os possuídos do diabo – no caso da professora, os despossuídos da
razão. Eu amo Machado de Assis por suas
soluções, aprecio seu narrador escorregadio, aprecio nele o precursor de
Borges. Machado de Assis não precisa de sinônimos que atualizem sua linguagem.
Ele é o fundador da modernidade. Nessa história, todo mundo já sabe, existem
dois vilões, a professora e sua equipe de prestidigitadores e o Ministério da
Cultura que apoiou a causa. Nenhuma novidade, portanto. Uma coisa, entretanto,
chamou-me a atenção. Tem gente – e gente da melhor espécie – que pensa que o
importante mesmo é que o jovem leia, não importa o quê. Todos os livros, não
importam de que anão ou fada estamos falando. O importante é ler. Como se ler
garantisse a salvação. Jesus não salva, ler o evangelho sim. Acho isso uma
histeria. Quem disse que todo mundo precisa ler? Quem disse que para o outro –
um outro que imagino agora – a experiência de ler é tão importante como foi para
mim, por exemplo e para muitos, como para você que está lendo este texto? Vamos
reservar ao outro o direito de também não ler. No evento Clisertão, ouvindo a
história do Rogério Pereira sobre sua experiência de leitor a gente nota que
ele teve todos os motivos do mundo – e a história dele não é diferente da
minha, talvez pouco diferente da sua, leitor amigo – para não ler, desde pais
analfabetos a péssimas condições de vida quando o que importava era a
sobrevivência, isso, entretanto, não o impediu de ser leitor. É claro que
devemos fazer a nossa parte, é preciso investir na educação, pagar e preparar
professores, devemos ler para nossos filhos, comprar livros etc, mas nada de
histeria, nada de querer adaptar Machado de Assis ou outro clássico para a linguagem
de hoje. Quem não gostou do Machado original tampouco vai gostar na versão fast
food.
13 maio 2014
15 fevereiro 2014
Analisando o caso
Analisando o caso Caio Silva de Souza, o
rapaz de 22 anos, da Baixada Fluminense, responsável pela morte do
cinegrafista, depois de manusear artefatos explosivos, notamos sem conter nossa
frustração, que ele não era nenhum ativista político, anarquista tampouco, que nunca
terminou o ensino médio, e que provavelmente nunca leu um livro na vida, muito
menos Proudhon. Que não fazia parte de nenhuma célula
terrorista, oriunda de uma republiqueta islâmica incrustada no século XIV. Não,
o Caio, de acordo com as investigações, não é ninguém. Só um cara pobre. Tudo indica
que ele e outros jovens recebiam 150 reais de políticos para provocar baderna
nas manifestações de rua.
Diante do caso percebemos que as coisas assumem outro grau de
complexidade quando nos dispomos a ir mais fundo. Diz que generalizar é o que
faz o néscio quando apenas se permite uma análise superficial. Aprofundar-se
diante de um tema, de uma discussão, é, às vezes, incorrer no risco de encarar
as contradições do nosso próprio discurso. O Brasil está muito (acho que sempre
foi) político-partidário. A oposição ao Governo nunca foi tão debilitada. Não há
uma discussão séria, apenas nos encarregamos de reproduzir outro episódio da
Torre de Babel. Está difícil enxergar por trás da cortina de fumaça, mas uma
coisa é certa: o que importa é a verdade. O rapaz, claro, vai ser enquadrado e preso,
mas isso é só a ponta do iceberg; estamos lidando com algo muito mais sério do
que homicídio não intencional.
13 fevereiro 2014
Tempo de intolerância
Tolerância é uma palavra em moda, principalmente nesses
tempos de terrorismo. Eu, particularmente, não gosto muito dela, devia-se
inventar outro termo para representar a pacífica convivência entre os “diferentes”.
Ela é bem empregada quando se diz: tolerei
a agonia de uma cadeira espanhola e não confessei nenhuma das injúrias de que
fui acusado ou tolerei a humilhação
de portar a estrela tanto em Bagdá quanto na Alemanha Nazista ou tolerei a anexação da
Cisjordânia. Conviver entre os “diferentes” não deveria ser
uma prova de bravura. Daquele que suporta a dor. Não é possível tolerar a dor
indefinidamente, afinal somos humanos e resistir não é exatamente o nosso
forte. Conviver com o “diferente” deveria ser encarado com estoicismo, algo
assim: ele é diferente e por isso me
desagrada, mas esse sentimento “destrutivo” pode ser um erro de julgamento.
Acho que o caminho é por aí, a reflexão filosófica. Não a religiosa. A religião
só divide. Nada de achar que o outro é infiel. O infiel merece a morte tanto no
Corão 4,95 - 101 quanto em Deuteronômio 13,12 - 16. O ideal seria ouvir mais imagine de John Lennon, mas a gente sabe
que não é tão simples assim. Outro dia, aqui no face book, um de meus amigos, certamente
movido pela melhor das intenções e comentando um crime hediondo, disse: isso é coisa de quem não tem Deus no coração.
O que ele quis dizer? Que os ateus são assassinos? É por isso que eu digo que
essa palavra, tolerância, não serve, é preciso inventar outra, mais doce, senão
continuamos assim: intolerantes com a
melhor das intenções.
O tempo envelhece depressa
O tempo. Muitos já se encarregaram
desse tema: poetas, romancistas, filósofos. É possível citar alguns livros
famosos, lembro-me de Lete de Harald Weinrich, alguém vai se lembrar de Borges
e o rio de Heráclito. É sobre o tempo o livro de contos de Antônio Tabucchi. O
tempo envelhece depressa é o título. Li numa assentada. Fininho, pouco mais de
150 páginas.
Antônio nasceu na Itália, dizia que
costumava sonhar em português, e não há nada de estranho nisso, não para quem
se apaixonou pela poesia de Fernando Pessoa, o poeta dos heterônimos que se
converteria em personagem do próprio Tabucchi. Dizem que encontrou o poema
Tabacaria num quiosque perto da Gare de Lyon, Paris, assinado por Álvaro de
Campos. Desse dia em diante se interessou pelas coisas de Portugal, tanto que
se casou com uma portuguesa: D. Maria José de Lancastre de Melo Sampaio, filha de baronesa
e neta de conde.
Fico imaginando o Antônio perdido nas
ruas e becos de Paris, uma grande cidade, não resta dúvida, uma cidade estrangeira;
ele cruza as ruas e desaparece na multidão. Acho que melhor descrição não
caberia para as personagens de O tempo envelhece depressa. Para quem os observa
de longe: transeuntes. Um pouquinho mais perto e a gente nota a diferença:
alguns estão em terra estrangeira, são homens cultos na sua maioria, poliglotas
e leitores de Homero, mas estão velhos, alguns senis e além da paisagem: o
efêmero.
Como em outros livros do autor, nesse
há referências literárias, o “pobre rapaz de Praga que acordou fora de
contexto” do conto Clof, clop, clofete, clopete é Gregor Samsa e como ele as
personagens de O tempo envelhece depressa também estão atordoados, não com a
metamorfose. Não há nenhuma além do corpo jovem que se fez velho. Também não é
a cidade estrangeira. A descrição da paisagem é quase sempre dada a um narrador
sensível que faz disso motivo de reflexão e apreciação da arte. O atordoamento
porque se acordou fora de contexto é provocado pelo tempo que passou depressa e
nos deixou incompletos, fragmentados.
O tempo de Antônio Tabucchi acabou no
dia 25 de março de 2012. Ele nem fizera ainda 69 anos.
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