18 maio 2009

Paradigma

 

Outro dia li a entrevista de um escritor brasileiro, recentemente descoberto pelas editoras e pela crítica especializada. Ele dizia que não acredita nessa coisa de “ser brasileiro”.  Não sei o que pensaria José de Alencar se um vidente lhe dissesse que cem anos depois dele um escritor importante e brasileiro faria tal declaração. Depois dele e do projeto de construção da identidade cultural do Brasil – projeto que Alencar, mais do que qualquer outro romântico ambicionou com seu romance que, não obstante o claro das impropriedades tenta traçar a geografia do Brasil. Acho que a mesma reação teria o Mário de Andrade, que ao modo dos artistas de sua geração e seu caráter anárquico, também ambicionou dar continuidade – de um modo diferente, claro, crítico e coisa e tal – ao projeto de identidade cultural. Macunaíma, o herói sem caráter, é o romance tese dessa empreitada. Mas o fato é que o tal escritor da entrevista talvez não esteja enganado.

No século XIX a França era o paradigma cultural do mundo ocidental e foram as vanguardas européias que influenciaram o Modernismo dos Mários. Quase cem anos depois dos gritos e berros que ecoaram no teatro municipal de São Paulo, ainda estamos em formação e a única conclusão que chegamos é que não somos negros nem brancos nem índios.

As tecnologias nos aproximaram e a globalização – que não é coisa nova e começou com as navegações – tem contribuído para nos fazer sentir cada vez mais um só povo, não obstante os fundamentalistas de plantão. O povo do pequeno ponto perdido no espaço que alguns dizem ser azul e que se chama terra.

Teve um tempo que eu achava estranho o fato de gostar tanto dos romances americanos da década de 20, ambientados na França e que falam de homens e mulheres – de quem uma escritora se referiu como geração perdida – vivendo o entre-guerras e a frustração de ser humano e o quanto isso representa de impotência e fragilidade. Eu achava que isso acontecia em decorrência de minha péssima formação em escolas públicas e minhas leituras mal orientadas. Cheguei a escrever para um amigo, lamentando essa falha em meu caráter. Por que eu me sinto mais identificado com Fitzgerald do que Graciliano, e por que kind of blue me encanta mais do que Samarica Parteira?

Não estou dizendo que nossos escritores e músicos sejam melhores ou piores. Estou dizendo que um livro ou disco, escrito ou gravado quase cem anos atrás e milhares de quilômetros longe de meu país me encanta e me causa felicidade. E isso tudo também por uma relação narcisista. Porque de algum modo e apesar de todo estranhamento, eu, nascido em Pernambuco, Nordeste do Brasil me encontro ali. Vislumbro meu reflexo.

Não me sinto mais constrangido. Leio e escuto o que me traz felicidade, mesmo que o Ariano me considere um mentecapto. 

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