11 junho 2009

Ainda Kawabata

Outro dia um professor explicava na classe que toda literatura é simbolista e que o Simbolismo apenas pretendeu exacerbar tal característica. De fato. No livro “A Casa das Belas Adormecidas” há passagens dignas dessa nota.

O mais interessante, embora óbvio, é que se reconhece um bom escritor pela habilidade com que trata o símbolo. Às vezes a comparação ou metáfora parece forçada. Não seria esse o caso numa das passagens do livro em que o autor compara a jovem nua e adormecida com uma espécie de Buda? Não soaria grosseiro comparar um ícone – da Virgem Maria, por exemplo – com uma jovem nua (uma prostituta que não sacia o desejo da carne do homem, mas que é consciente de seu papel como objeto de sedução) intencionalmente adormecida para servir de “brinquedo” para velhos licenciosos?

Tudo isso seria verdade se não fosse a habilidade do artista. Nesse sentido o melhor exemplo é, talvez, o de Bernini. O Êxtase de Santa Teresa, mesmo para padrecos vivendo em meados dos anos 1600 – ainda a época da Santa Inquisição – não pareceu imoral embora seja indo e vindo o retrato fiel de uma mulher se contorcendo de gozo. Todos tiveram que calar sua hipocrisia diante da manifestação do belo que deve todo seu êxito a habilidade do artista. Em Kawabata a jovem nua podia ser muito bem o Buda diante do qual os velhos se ajoelham e choram “pelo medo da morte que se aproximava ou o lamento pela juventude perdida.”

A jovem nua, como uma santa de gesso por quem os fieis nutrem fé e paixão tem o poder de fazer aqueles homens, embora velhos, mas que são homens de poder e posição, derramar lágrimas e revelarem-se sensíveis e frágeis, destituídos das máscaras que são obrigados a sustentar.

2 comentários:

Mário disse...

"Man created death", Yeats. O homem criou a morte. Porque sabe que a morte existe, o homem criou a arte, um pensamento nietszchiano. Sendo assim, é óbvio que tudo em torno da Literatura (e da Arte) é uma reflexão sobre o não-existir. Mesmo porque a preocupação saúdavel para com a vida é, automaticamente, o medo mórbido para com a morte. Eu me referia ao arco romanesco. À técnica e à forma e não ao conteúdo. E continuo com o comentário: de fato, é curioso tanta semalhança. É um Zeitgeist.

P.S.: Foi desse poema de Yeats que Roth tirou o título de O Animal Agonizante.

MORTE

Nem temor nem esperança assistem
Ao animal agonizante;
O homem que seu fim aguarda
Tudo teme e espera;
Muitas vezes morreu,
Muitas vezes de novo se ergueu.
Um grande homem em sua altivez
Ao enfrentar assassinos
Com desdém julga
A falta de alento;
Ele conhece a morte até ao fundo —
O homem criou a morte.

Wagner Marques disse...

Nivaldo, toda arte deve ser uma espécie de nudez!
Muito boa a sua linha de reflexão...