05 julho 2009

Estratégia do Ilusionista

A literatura da última metade do século XIX se encarregou de retratar a realidade vendo nela não apenas os meios, mas os fins. Tal subordinação encontrou legitimidade na mais cristã das intenções: a redenção. Mostrava-se o que havia de podre no mundo com a intenção de corrigi-lo para, enfim, salva-lo.

Essa bem intencionada literatura que aspirava ao útil produziu obras que se esgotavam com a denúncia de instituições ou da sociedade. Machado de Assis é um dos escritores que acabou se configurando um caso à parte – Capitu não nos deixa mentir. Já os realistas de carteirinha não raro se concentravam num tipo de texto acabado, com começo, meio e fim, não dando ao leitor outro papel senão o da passividade.

No século passado, ali pelos anos vinte, com o Modernismo e a influencia de autores como Kafka e Joyce, a realidade objetiva entrou em decadência como uma moda que fica para trás. A falência do Racionalismo trouxe de volta a subjetividade e novos mergulhos na alma do homem contavam agora com contribuições de Freud. Os tempos modernos fariam do homem um ser cada vez mais confuso. O racional não atendia mais – se é que algum dia atendeu – às necessidades de uma arte que não queria mais constituir-se apenas em mero veículo para difusão de idéias político-sociais.

Na América do Sul, uma tendência que não chegou a ser Escola, tendo, certamente, Jorge Luis Borges, como seu mais ilustre representante, não apresentaria mais aquele tipo de subordinação à realidade objetiva. Dentro dessa nova visão a ficção não seria mais marcada pelo padrão que incluía começo, meio e fim. Ou pelo menos não necessariamente nessa ordem.

A literatura de Borges valoriza a participação do leitor ativo. Não estamos mais lidando com um texto de dimensões mensuráveis, mas de um texto que foge ao padrão de coisa exata, medida e que confere ao leitor a sensação de algo inacabado ou mesmo confuso. Tomado de inquietação – não a inquietação de quem vislumbra a verdade. Não há verdade, nunca houve –, o leitor se vê remetido a um labirinto com corredores que se bifurcam.

O truque do espelho e do labirinto, do narrador que conta uma história, não inteirado dos pormenores, e das falsificações históricas – tudo isso responsável em gerar ambigüidade – sem dúvida nenhuma confere uma dimensão maior ao texto e empresta-lhe mais complexidade.

Um texto “inacabado” seria aquele que não nos esclareceu tudo, aquele em que as palavras não elucidam o mistério, mas nos remete ao mistério e tudo o que dali advém. Diante disso não resta outra escolha ao leitor senão a inquietação que não cessa, mesmo quando lê o último parágrafo.

2 comentários:

Helder Herik disse...

"Quanto menos sabemos sobre nós mesmos, mais alimento tem a literatura"

É isso mesmo Nivaldo. A literatura tem que ser uma busca sem achados. Achar nos acomoda.
É preciso estarmos sempre buscando.
mas me diga uma coisa, quando você diz que Borges é o escritor da moda, você se refere a ser ele um escritor copiado-seguido, ele sendo modelo para outros, ou você diz moda como produto de vitrine?

abraço cara

Mário Rodrigues disse...

Eu admiro um pintor de Nova Iorque chamado Max Ferguson: ele é ultrarrealista. As pinturas dela são praticamente fotografias, escrevo Degradê como Max Ferguson pinta seus quadros.
Eu admiro o holandês M.C.Escher: suas pinturas partem de elementos reais, mas, por alguma mágica da matemática ou da perspectiva, isso é subvertido gerando efeitos surreais, escrevi o Vendedor partindo de elementos reais, porém, em algum momento, os limites entre o metafórico e o real se misturaram. Muito mais do que Dali, eu gosto de Bosch, daquelas loucuras todas, escrevi um conto cujo narrador é um bode preto: ele lamenta as sacanagens que fizeram com ele: no Dia da Expiação no Isreal Antigo, nos ritos de Iniciação dos babalorixás, uma loucura... aí eu pergunto: É papel da Literatura ter parâmetros? Oferecer verdades? Por que tanta angústia? Não foi "São Borges" que disse: "Busco pelo prazer da busca e não do encontro". Literatura é hedonismo e ponto.