24 abril 2011

Thor e outras mitologias

Sempre gostei de gibis, às vezes acho que aprendi a ler com eles, talvez mais do que isso, aprendi a gostar de ler, principalmente a ler histórias. É por isso que as primeiras personagens que povoam meu imaginário de criança são os heróis da Marvel como o Homem Aranha, Capitão América e Thor. É verdade que depois eu conheci o deus nórdico; li mitologia e me inteirei da história, mas isso só mais tarde, na minha adolescência Thor foi para mim um dos Vingadores com sua armadura inspirada nos romanos e seu elmo com asas. Mas Thor foi um dia cultuado pelos pagãos germânicos. Um dia foi um deus dos mais valentes e queridos, aquele que representava a força da natureza, filho de Odin e esposo de Sif, deusa da colheita. Também descobri que Thor é identificado com Júpiter porque dividem a mesma maternidade da Mãe - Terra e como protetores da comunidade têm o carvalho como símbolo. Tácito o identifica com Hércules.

Fico imaginando o que pensariam aqueles que um dia cultuaram o deus do trovão – refiro-me aos antigos alemães, noruegueses, dinamarqueses, irlandeses e anglo-saxões, muito antes da sanha cristã – se pudessem ler o futuro e descobrir que seu deus um dia seria reduzido a herói de histórias em quadrinhos, coisa de criança, mero entretenimento. Sandice. Mais do isso: blasfêmia. Mas o fato é que Thor, que já não bastava ser morto por Jormungandr, a grande serpente, não passa hoje de mitologia, e por isso não é desrespeitoso integrá-lo a equipe dos Vingadores, ao lado de Vespa, Homem formiga e Visão.

Thor, o personagem dos quadrinhos, foi criado por Stan Lee, Larry Lieber e Jack kirby, e sua primeira aparição deu-se em 1962, na número 83 da Journey into Mystery, nos Estados Unidos. Confesso que não leio mais as histórias do deus do trovão com o mesmo entusiasmo que fazia nos meus 13 anos, mas continuo gostando de quadrinhos, a maioria com uma proposta voltada para a arte – hoje reconhecida – e temáticas adultas como são os gibis de Robert Crumb, Crepax e Art Spiegelman. Mas ainda gosto de quadrinhos de aventura. No final dos anos 90 descobri o Selo Vertigo e desde então compro e leio as histórias do John Constantine e Jesse Custer.

O que tem essas personagens que ver com Thor? É fácil responder, assim também como este aqueles também se valem da exploração de uma mitologia. Enquanto para os criadores de Thor a mitologia nórdica ofereceu os elementos necessários para a criação ou recriação do universo da personagem do gibi da Marvel, para Constantine e Jesse Custer, a mitologia é outra, uma mitologia ainda em voga, na qual os homens de boa fé depositam credibilidade e alimentam esperanças. Uma mitologia que até então só era vista como mitologia pelos desapaixonados, materialistas e subversivos do senso comum. Uma fabulação inverossímil que vinha sobrevivendo como ideal platônico finalmente desmistificado por Diógenes.

Constantine é uma espécie de bruxo, versado nas artes da magia, capaz de conjurar o demônio ou exorcizá-lo, sempre às voltas com o deus dos cristãos e Lúcifer que deseja ardentemente sua alma. Jesse Custer, por sua vez, é um pastor em crise de fé, que acaba possuído por Gênesis, uma entidade poderosa, filho de um anjo e um demônio. Ao lado de Tulipa, sua namorada e o vampiro irlandês chamado Cassidy, Jesse empreende uma verdadeira cruzada para encontrar Deus (ele mesmo, Javé) que abandonou o céu e ninguém sabe seu paradeiro.

Num texto que li no Google, alguém comenta que “os tenazes e engenhosos missionários do cristianismo persuadiram os homens do Norte a adotar a religião mais branda.” Referindo-se aos pagãos que substituíram Thor por Cristo. Não sei quem foi que escreveu tamanho disparate nem quero saber, mas a tal persuasão foram quatro séculos de perseguição, morte e tortura provocada pelos tais tenazes e engenhosos missionários contra os “bárbaros”.

Nos nossos tempos o deus atual parece que também se encaminha para seu lugar que é a mitologia. Uma prova disso está na exploração dele como produto de mercado do entretenimento. Filmes e gibis que são comercializados para deleite de um público que representa a grande massa de consumidores. Todo mundo agora partilha da mesma opinião de que não é desrespeitoso integrar Thor ou qualquer outra divindade a equipe dos Vingadores. O deus de Constantine é o mesmo de Jó que apostou com o diabo a cabeça do homem e Jesse Custer, em sua procura por Deus, é como aquele homem que vai à missa ou ao culto, são personagens de ficção ou fabulação do tipo usada para entreter as crianças enquanto aguardam o sono. Personagens que nos divertem porque nos transportam da realidade para um mundo de pura magia.