09 junho 2009

Elogio da delicadeza

Algo que me chama a atenção em A Casa das Belas Adormecidas, além do já referido por mim na postagem anterior, decerto uma característica da boa literatura do século XX, (a tragédia do homem comum e seus paradigmas que traduzem o insignificante e não o heróico no seu cotidiano) é a escritura do autor. Em Kawabata, chama-me a atenção a suave descrição de ambientes e paisagens, bem como os adjetivos utilizados para dar relevo aos corpos mergulhados no sono das belas adormecidas. É claro que falo da obra traduzida, que é como a conheci.

“olhando para o teto, viu duas aberturas semelhantes a clarabóias, de onde a luz das lâmpadas elétricas era projetada através da tela de papel Japão. Sem dúvida, uma iluminação como aquela não só era ideal para o veludo carmesim, mas também realçava melhor a tez da garota refletida no vermelho do tecido, dando-lhe a beleza irreal de um espectro.”

(...) os ombros dela se levantaram de leve, realçando a forma arredondada e juvenil de seus seios. E, ao puxar o cobertor sobre os ombros dela, Eguchi envolveu docemente as formas arredondadas com a palma de sua mão. Seus lábios deslizaram do dorso da mão até o braço. O cheiro dos ombros, da nuca da garota, o seduzia. Os ombros, bem como a parte inferior das costas, se contraíram, mas logo se afrouxaram e a pele pareceu colar-se no corpo do velho.”

Se de um lado acompanhamos um velho metido em si mesmo, motivado pela situação insólita que se vê representando, deitado ao lado de uma jovem semimorta. Um velho e as sobras de si mesmo, aquilo em que se transformou ou a vida o reduziu, do outro percebemos a suavidade com que o autor, a exemplo de um pintor que escolhe as cores mais delicadas, vai compondo os cenários e descrevendo as jovens – a maioria delas virgens, puras e tão inacessíveis para o velho quanto eram as musas para os poetas românticos. Este contraste – que a meu ver parece intencional, confere tal ênfase à solidão de Eguchi que a sentimos latente dentro de nós.

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