17 junho 2009

Do erótico

Talvez meu comentário anterior sobre A Chave tenha provocado no leitor uma falsa idéia do romance. Que o livro é erótico, não há como negar, mas não o tipo de erotismo que emana das cenas de sexo e sua descrição rica em detalhes. Nesse sentido não há erotismo. O mais perto disso é acompanhar o marido, com a ajuda de uma lâmpada fluorescente, examinando com ímpeto de voyeur, o corpo nu da esposa que finge dormir. Há certas particularidades na anatomia da mulher, como o pé e a pele macia que o recobre, capaz de provocar verdadeiro frenesi no homem segurando a lâmpada. Eu diria que o erotismo do livro emana muito mais do entusiasmo do voyeur em presença do objeto de sua adoração do que da descrição desse objeto. É o entusiasmo dele que nos contamina e nos faz sentir a beleza do objeto de desejo mesmo diante de uma quase ausência de detalhes na sua descrição. Por um instante somos a personagem e partilhamos suas sensações. Isso ocorre sem que nos apercebamos. Inconscientemente.

Tanto no diário dela quanto no dele, as informações que envolvem a ambos são de ordem prosaica. É ela que tem que fazer umas compras, arrumar o escritório ou passar na casa de banhos e depois se encontrar com o amante. Do encontro nada sabemos, apenas imaginamos. Quando o professor
envia a Kimura os filmes contendo as imagens de sua esposa nua, nós não somos informados sobre como reagiu o rapaz, apenas temos uma vaga idéia quando muitas páginas depois ele é referido por Ikuko ou por seu marido a propósito de uma coisa qualquer, absolutamente fora daquele contexto. É a arte do não dito, que parece ser regra nas grandes obras de ficção, tanto o conto quanto o romance.

Já nas últimas páginas do romance, enquanto o marido, vítima de um derrame, está convalescente no quarto, a mulher, para descrever uma cena de encontro com o amante limita-se a umas poucas palavras: “Às onze horas, ouço passos no jardim...” O resto fica por conta do leitor e sua natureza voyeur.

Um comentário:

Mário disse...

É possível estabelecer algum tipo de relação, mesmo antagônica, entre o tratamento dado ao erótico por Mario Vargas Llosa em "Elogio da Madrasta" e Junichiro Tanizaki em "A Chave"? Faz um post sobre isso, cara.