29 junho 2009

Mito

A notícia da morte de Michael Jackson me foi dada, claro, pela televisão – na verdade na sexta. Quinta-feira foi gasta na biblioteca, onde fiquei enfurnado, lendo um livro de ensaios do Umberto Eco, aliás, melhor narrador do que teórico. Entre os ensaios, um causou-me certo desconforto: Os aforismos de Oscar Wilde.

Então ligo a televisão e me junto aos milhões de telespectadores que se recusam a acreditar que alguma coisa do mundo que conheceram e ao qual se julgam pertencer, desmoronou em parte, teve um capítulo encerrado e o que parecia imutável, imune ao efêmero, revelou-se no final frágil, mortal. Com o anúncio da morte do ídolo, amplamente explorado pela mídia espetaculosa, vídeos caseiros, clips e fotografias tentam compor fragmentariamente a vida que levou o artista – pelo menos aquela parte captada pelas câmeras, talvez menos sujeita aos insultos. As retrospectivas mostram-no ainda menino e negro, muito antes da louca obsessão de permanecer jovem e belo.

Tanto o escritor irlandês quanto o artista pop foram acusados de imoralidade e foi o herói de Wilde, Dorian Gray, assim como M.J., também um obcecado por beleza e juventude.

Li Dorian Gray mais de uma vez. Na primeira, ainda moço, fascinou-me os aforismos e tanto foi o fascínio que decorei a maior parte deles. Recitava-os sempre que a ocasião e o vinho ajudavam. Nunca escondi a autoria daquelas frases mais preocupadas com a elegância e beleza do que em preconizar verdades. O nome do escritor soava tão sofisticado quanto suas palavras.

Confesso que preciso ler de novo o ensaio de Eco. Primeiro ele diz que Wilde é uma espécie de escritor fátuo e disso entenda-se oco mais do que pretensioso. Mas é o próprio Eco logo depois quem vem em defesa de Wilde afirmando que se o aforismo é fátuo, ele – o romancista – coloca-o na boca de personagem capaz de fatuidade. E, espanto-me eu; se a frase é oca e está sendo dito por personagem que se enquadra na mesma categoria de adjetivo, onde está o erro do romancista?

Depois diz que O Retrato é uma imitação de certa novela de Balzac e uma ampla cópia de À Rebours de Huysmans e não pára por aí, acusa-o também de fazer versões de Baudelaire. Em dado momento me senti sofrendo pela morte de dois ídolos. Enquanto pairava a dúvida sobre onde enterrar o corpo de M.J., Umberto Eco desferia punhaladas no fantasma de Oscar Wilde. E não foi o esteta do dandismo que vi diante de mim, mas o condenado a trabalhos forçados na prisão por “cometer atos imorais com diversos rapazes”.

Entre os anúncios de preparação do funeral estava sempre alguém disposto em nos lembrar das acusações de pedofilia imputadas a M.J.

Às vezes me sinto como um homem de fé que acredita que certas verdades não contribuem para nada senão em tornar o mundo mais feio. Nem sempre mitificar é fazer da história um monte de mentiras. No final das contas, que é a verdade, perguntou Pilatos para quem em pouco tempo se tornaria um mito.

4 comentários:

Mário Rodrigues disse...

Gostei da relação (não sexual) entre M.J. e O.W. E do reconhecimento da necessidade de ídolos. Mas não é disso que quero falar. É sobre Wilde: um dia eu estava lendo umas das orelhas de livros de Paulo Coelho - só pra poder falar mal depois - aí comecei a ler a lenda de Narciso, às avessas, e achei muito legal. Só que no final havia a explicação: Paulo Coelho tinha colocado o texto de Wilde na boca de um de seus personagens... ah...

Emmanuele disse...

Adoorei o post.
Xeeero prof!
aah, ta aí o link do fotolog! quando quiser passar por lá :)

Wagner Marques disse...

e só para lhe passar mais uma informação: o amigo André Luiz de Castro, segundo ele próprio, encontra-se de LUTO, por causa da morte de M. J. Sabe-se lá onde essa crise gay enrustida de André vai parar!

Helder Herik disse...

Nivaldo, estou assistindo uma reportagem sobre Borger
e lá para as tantas ele fala, já cego, que não deveria
tentar fazer romances porque leu poucos romances.
O que sim, ele poderia fazer, era a poesia. Suas últimas
obras são poemas.

Meu caro Nivaldo, fiquei suspreso ao saber que Borges não era um grande
leitor de romances, mas sim de poesia. Meu amigo, a poesia
é de fato a suprema arte, o poeta é que é o verdadeiro Deus.
Os grandes poetas, diga-se, e não os marginaizinhos-fuleiros.

Companheiro, quer escrever ainda melhor?
então leia os poetas. Claro que eu não me refiro
ao Paulo Henriques Brito, a poesia dele é de água,
leia João Cabral e Helder Herik. Releia 'Amorte', com o devido cuidado
que o livro requer. Tem muita coisa naquele livro
que não se mostra numa leitura rápida.

No mais você é um grande veado e a vida é bela, como diria Bellini.

Abração