06 junho 2009

Homem Comum

É muito triste quando a ilusão perde o poder sobre nós. Quando isso acontece, e um dia acontece, é inexorável, o suicídio passa a nos atrair como coisa razoável, e se não são proporcionais, é porque existe muita gente covarde no mundo. Covarde mesmo quando não há nada a perder. Há um ditado que diz que Deus dá o jeito. Será? Pra mim, que não acredito em Deus, ou pelo menos num Deus que tem para nós um projeto além túmulo, isso não serve de consolo. 

Existir é doloroso, diria Sileno. Existir não foi uma escolha. De repente nos descobrimos num mundo que nos acolheu como pôde e nos indicou as alternativas de sobrevivência. Sobrevivemos, ou assim nos parece. Deram-nos obrigações, concederam-nos alguns direitos e assumimos o nosso papel no mundo, bem ou mal. Na verdade nos deixamos arrastar pela onda. E tudo o que fizemos – dentro das alternativas viáveis – teve sobre nós um efeito anestésico. Entre os animais somos os únicos conscientes da morte, e para ter de lidar com isso, criamos estratagemas. Talvez a religião seja o mais famoso deles. Mas chega um momento crucial quando a ilusão perde o poder sobre nós, e nada mais que fazemos para nos “distrair” tem efeito alucinatório. O ópio perde suas propriedades e depois da comédia representada, o teatro está vazio, e restamos nós e o absurdo que encarnamos. 

O personagem de O homem Comum, última novela de Philip Roth, e de quem não sabemos o nome, divisa este momento. Além da morte, as coisas que ficaram para trás, aquilo em que gostaríamos de ter uma nova oportunidade – talvez ainda um pouco de ilusão? – para tentar de novo, mas é tarde, o passado é imutável. Só resta lamentar as coisas que poderiam ser e não foram. Todo o esforço que não foi suficiente. A morte – certamente a personagem central da novela – tem o poder de potencializar tais frustrações. No início do livro a personagem está sendo sepultada pelos familiares, quando ocorre o retrocesso no tempo, o autor já tem nos alertado sobre o desfecho: onde tudo vai acabar, e então fazemos a leitura incomodados com a idéia de que somos um projeto fadado ao mais completo fracasso. Os casamentos sucessivos, as mulheres enganadas por ele, o ódio de dois filhos e as internações em decorrência de uma saúde debilitada são os reflexos de uma trajetória para lugar nenhum.  

Seu pai ganhava a vida no ramo dos diamantes. Há entre o homem e o diamante uma grande diferença. O diamante não é perecível. O homem sim, nós não somos capazes de escapar da vicissitude da temporalidade. É sobre isso a novela de Roth, mas não apenas o perecer do corpo, mas do mundo ao nosso redor, nossos valores mais caros e nossa esperança.  

2 comentários:

Nivaldo Tenório disse...

ok

Mário disse...

Acho que foi em sequência que li "Adeus, Columbus", "O Teatro de Sabath", "O Diário de uma Ilusão" e "Pastoral Americana" - aí tive medo. Medo! E parei. Porque, de fato, ali tinha algo maior. Tenho lido as críticas e os primeiros capítulos dos livros recentes "A marca Humana", "Animal Agonizante", "Homem Comum", "Fantasma..." e, agora, "Indignação". Acho, honestamente, que não é hora de voltar a ler Roth: enfim, não é hora de ter noção do tamanho real do abismo.