31 março 2009

Da diferença

Há uma diferença entre escrever bem e escrever literatura. Não há nenhum paradoxo na frase de Autran Dourado. O bom aspirante a escritor sabe disso e utiliza um bom tempo da sua vida buscando a correta forma de escrever literatura. Em alguns escritores nos choca a maneira aparentemente desastrosa com que trata a língua, noutros notamos que o parágrafo nos cansa, ficamos esperando o outro parágrafo que nunca vem. Também há aqueles que superestimam nossa capacidade de decifrar os enigmas de sua escritura. Mas terminamos o livro surpresos de que as asperezas ou excessos não comprometeram a história, que o conto ou romance, apesar do “defeito técnico”, nos encantou ou causou perplexidade. É claro que há aqueles em que tudo parece corroborar para uma criação impecável, mas esses são raros, são os gênios, os monstros sagrados, bem estabelecidos no cânon: Guimarães Rosa, Borges, Osman Lins. Os bons escritores sonham em um dia pertencer ao cânon, e enquanto sonham se agarram à máxima de Flaubert. É isso ou desistir, meter uma bala na cabeça, contratar os serviços do vendedor de seriguelas. Mas a grande merda ou sinuca é que mesmo o escritor mais consciente, aquele que desconfia dos elogios e acha afetada a academia. Que se tranca no porão de Kafka e prefere literatura aos prazeres licenciosos. Mesmo o caladão, introspectivo e excêntrico escritor de livro inédito pode ser como o árbitro: conhece todos os lances de futebol e é um grandessíssimo perna de pau. É por isso que há tantos críticos e resenhistas.

Nenhum comentário: