24 março 2009

biblioteca pessoal


Tirando a teologia e a literatura fantástica, poucos duvidariam que os traços centrais de nosso universo são a escassez de sentido e a falta de objetivo palpável.
Alberto Manguel


Há um amigo que me diz que isso de acumular livros é um grande absurdo, e considera o desejo de possuir uma biblioteca a maior de todas as excentricidades. Mas – eu perguntaria ao meu amigo tão cuidadoso das coisas lógicas e compreensíveis – não seria o absurdo e a excentricidade, não obstante toda e qualquer limitação das palavras, aquelas que melhor definem a nós, seres humanos, pateticamente fadados a nunca responder, senão considerando a teologia e o fantástico, as três perguntas fatais: quem sou? De onde vim? Para onde vou?

A existência é um absurdo doloroso, não raro, e poucos não concordarão, os momentos de infelicidade suplantam os de felicidade, e uma vez nesse barco ao sabor dos ventos – porque a inconstância é a lei que rege a nós todos – nos tornamos partidários de Sileno, “o melhor é não ter nascido, mas já que nascemos, o melhor é morrer o quanto antes”. Muitos suicidas concordariam com o sátiro e companheiro de bebedeira de Dioniso.

Para aqueles que nasceram e preferem viver, o melhor antídoto contra a fórmula de Sileno é a ilusão, e a biblioteca com seus milhares de livros que tentam compor e recompor o universo, é a melhor das ilusões que já experimentei.

Outra amiga vem nos últimos anos doando sua biblioteca, seu exemplo não tem nada a ver com o outro, ela sabe que não dispõe de muito tempo, é muito idosa, e como não possui herdeiros, é seu amor pelos livros que a faz escolher a dedo aqueles que ficarão com eles. Sinto como é doloroso para ela se dispor desses livros e talvez por isso o faz com lentidão, aos poucos. Também sou herdeiro dos despojos dessa biblioteca particular, coube a mim “O amor e a Lira” de Otávio Paz, uma antologia de poemas escolhidos de Robert Frost e uma novela de espionagem do Tchekhov.

Meu amigo é indigno da companhia dos livros. Não adquirindo os livros e formando sua biblioteca pessoal, ele lê os livros que a sorte reserva. Suas razões, por melhor que sejam argumentadas, recaem sempre na questão econômica.

Nenhum comentário: