19 março 2009

Amorte

Esta semana eu participei de uma coisa inacreditável. Um livro de um amigo meu, o Helder, foi submetido a um julgamento, ou inquisição, tanto faz. O acontecido (insólito?) me fez lembrar um livro que li, faz muito tempo, de um desses escritores americanos de sucesso.

O livro foi muito lido na época, e trazia um título curioso: Os Sete Minutos. Encontram um livro erótico no porta-malas do estuprador, e aí, o culpado, pelo estupro, não é mais Jack, mas o livro. O livro e sua influencia perniciosa. Uma coisa bastante crível na sociedade conservadora americana que elegeu o W. B. duas vezes.

Mas o sucedido lá, mesmo que ficcional, encontra paralelo no sucedido aqui. O livro do Helder foi adotado como pára - didático. O engraçado é que o autor do livro, sem querer, acabou colocando em maus lençóis o pastor e as irmãs que certamente não leram o livro pois decerto se enquadram naquela mesma categoria já descrita por Voltaire: “O miserável homem de um livro só”, no caso, a bíblia, muito mal lida e pior interpretada, e que tiveram de se explicar para as mães enfurecidas e preocupadas com a moral e os bons costumes.

Mas é preciso dizer que o Helder jamais poderia imaginar (eu o conheço, é um menino bom, alguém que poderia servir de modelo para o bom selvagem de Rousseau) que seu livro suscitaria polêmica, ainda mais do tipo que questiona valores morais. Algo inimaginável em 2009. Certamente se valeu Helder do axioma de Oscar Wilde, aliás, alguém que ele cita no livro, autor que escandalizou a sociedade vitoriana de seu tempo, o século XIX, e de quem Helder aprendeu que: “um livro não é, de modo algum, moral ou imoral. Os livros são bem ou mal escritos. Eis tudo”.

O livro Amorte é de poemas. Poemas sem nada de floreios românticos nem fingimentos poéticos do Arcadismo. Poemas contemporâneos que agradariam ao João Cabral de Melo Neto e que arrancou elogios de Marcus Accioly, autor de Érato e considerado por muitos como um dos mais importantes poetas vivos do Brasil, portanto uma autoridade no assunto.

As mães naquele auditório reunidas e preocupadas com a influencia perniciosa do livro, acusaram-no de agente deformador de seus lindos filhinhos que não assistem ao big brother nem comparecem aos shows de calcinha preta e bonde do tigrão. Entre essas senhoras, certamente bem intencionadas como asseverou um padre, também presente no auditório, e o Marcus Accioly, eu acho que fico com o Marcus.

A literatura está cheia de histórias semelhantes. Em todos os casos – não há exceção – os livros acusados de imoralidade têm na figura de seus acusadores sempre uma laia de hipócritas que se deixam conduzir pelo preconceito e ignorância. O Ateneu, de Raul Pompéia ainda hoje figura entre os livros proibidos da Igreja. O tema de que trata Raul escandalizou a sociedade de seu tempo. Num colégio católico, meninos são vítimas de padres homossexuais e pedófilos. Mas isso não existe. É coisa de literatura. Na Igreja não há pedófilos, a música que as rádios tocam são de bom gosto e trazem mensagem edificante de amor; amor virtuoso que não se realiza no campo físico, como queriam os poetas românticos no seu enfoque neoplatônico. A televisão só exibe programas educativos e o mundo é cor de rosa onde podemos criar nossos filhos em redomas de cristal.

No fundo eu acho que essas senhoras têm razão. O Helder é culpado, sua licenciosidade só encontra paralelo no Marquês de Sade. Ele devia estar preso bem como o Mário e seu auter-ego, o vendedor de seriguelas.

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