11 janeiro 2010

Viagem Vertical

Os romances de Vila-Matas são oportunidades para conversar sobre livros e escritores: O Mal de Montano é assim e Batlerby e companhia também. Ele me lembra Borges, não o escritor – se é que podemos separar as duas figuras –, mas o leitor. Borges disse certa vez que se sentia capaz de passar 24 horas falando sobre literatura. Seus livros atestam isso. Neles o tema mais recorrente é o do mundo representado pela biblioteca. Os contos são ensaios sobre livros. São famosos seus prólogos. Vila-Matas se identifica com Borges, certamente é seu leitor da vida inteira e assim como o escritor argentino ele também se sente atraído pelos livros.

Acabei de ler Viagem Vertical, publicado aqui no Brasil em 2004 pela Cosac Naify. Li depois de todos os outros, dos já mencionados e mais Paris não tem fim e Suicídios Exemplares. Adiei a leitura de Viagem Vertical porque diferente dos outros este não me parecia trazer o tema da literatura, do qual gosto muito, mas uma experiência diferente: o do homem em crise, algo muito próximo, pensei, de dois livros que li no final do ano passado e sobre os quais escrevi aqui no blog: Homem Comum de Philip Roth e A Casa das belas adormecidas de Kawabata – sem o apelo erótico deste último. Livros que tratam da velhice, morte e falta de sentido da vida.

De fato. Até a página 179 – de um total de 252 – o leitor deduz que Viagem Vertical é uma história contada em terceira pessoa que tem como protagonista Mayol – um velho aposentado, dono de uma empresa de seguros que vê a vida vir abaixo no dia em que a mulher lhe faz um estranho pedido. Ele vai desembarcar na Madeira, em Portugal, sem rumo e sem tino, onde encontra por acaso o sobrinho a quem não via fazia anos e que como o tio, também passa por uma crise. Dono de uma solidão que não consegue conter no peito, a personagem ver-se na sua viagem vertical.

Ao que tudo indica Mayol levava uma vida normal, estava aposentado, havia passado a empresa para o comando do primogênito – de quem se orgulhava – e se distraia do fim apostando na convicção de que deixava as coisas em ordem e se sua vida chegava nos últimos momentos, ao menos fez sentido, afinal construiu algo de sólido como a família e a empresa milionária. Em outras palavras, o fim não era encarado com perplexidade, mas com conformismo e parcimônia.

Algo, entretanto, acontece que vai tirar o ancião de tempo. O pedido absurdo da mulher é que ele desapareça da vida dela. A esse choque vem juntar-se a decepção com o filho mais velho que se diz cansado da empresa e do casamento e pior que isso; o ressentimento que nutre pelo filho Julián, um pintor excêntrico que se julga o próprio Toulouse-Lautrec vivendo na Paris boêmia dos anos vinte. Esse filho caçula e solteiro de 42 anos é um imbecil da cabeça aos pés apesar de ser homem culto e instruído. Num episódio recente, recordado por Mayol enquanto caminha pelas tumbas de um cemitério, chama o pai de inculto. Ora, o complexo de inferioridade por ter freqüentado a escola só até os catorze anos é uma frustração que Mayol carrega. Recordar-se da declaração do filho no momento de crise desencadeada pela expulsão da mulher só piora as coisas e o faz se sentir como a última das criaturas.

Na página 179 nos surpreendemos com o narrador. Não é onisciente, não é Vila-Matas, mas o gerente do hotel onde está hospedado Mayol na Madeira. Esse gerente se interessa pela história do velho e vê nela a oportunidade de escrever seu primeiro romance, apresenta o hospede a uma espécie de clube literário e a história do homem em crise acaba incluindo conversas sobre o livro – mesmo os que Mayol disse que leu sem ter lido – e nós, leitores de Vila-Matas, reencontramos o autor que não consegue separar a vida da literatura.

Um comentário:

Negro Sangue disse...

Ler livros que tratam de outros livros amplia nossa visão sobre estas leituras, anteriores. Como se diz na minha terra "é massa!".

Erick Camilo