21 setembro 2010

o miserável homem de um livro só

Não há nenhum problema em se acreditar num Pai – a nostalgia do Pai, como se diz em filosofia – muita gente concorda que isso contribui para melhor viver a vida enquanto dura o fôlego, antes dos acontecimentos – inexoráveis – da velhice e a morte e a certeza de que nosso corpo – com certeza ele, pelo menos – vai virar comida de verme, cinza ou pó.

Nenhum mal, portanto; um Pai é sempre bom, ele e sua figura consoladora. O problema está quando resolvem nomear esse Pai, dá um endereço e um Livro onde tim tim por tim tim é apresentado um Código com normas e leis severíssimas sobre como deve proceder o filho. Quando isso acontece, o mal está feito. Cada um reivindica seu Pai como Único e Legítimo e quem não concorda com Ele merece morrer, mesmo quando esse mesmo Pai recomenda o amor e o perdão. Nesse momento o Livro com suas leis, normas e parábolas, perde consistência e adquire tal relativismo que se pode ler guerra onde está escrito paz e morte onde antes se lia amor.

Os eventos de intolerância religiosa não pertencem somente ao passado; todos os dias registramos casos, embora não se dê a eles devida importância. Isso que o Pastor Terry Jones disse numa declaração, que queimaria o Alcorão, não são apenas as palavras de um fanático enfurecido, muita gente que se julga decente e candidato mais que provável ao paraíso, no íntimo concorda que se deva queimar mesmo aquele livro ou qualquer outro que conte uma versão diferente dos fatos postulados pelo Livro de seu Pai – partindo do princípio que a assertiva em questão não constitua puro delírio e possa haver concordância entre o que se toma como fato e aquilo que se denomina dogma e por isso não aceita refutação porque toda sabedoria do mundo é loucura para Deus.

Por que os religiosos – principalmente os cristãos, em particular os que o vulgo convencionou chamar: evangélicos – insistem com a idéia de que todos precisam se salvar? – de quê? – e quase sempre a salvação está subordinada a aceitação de uma determinada religião ou seita e o pagamento mais que justo do dízimo sem o qual estaria comprometida a Obra do Senhor. Parece-me por demais pretensioso achar que justamente aquela seita ou religião é a correta, que todas as outras estão erradas. Algumas dessas seitas cristãs não têm mais do que dez, vinte ou trinta anos, e se julgam os verdadeiros escolhidos quando religiões da Índia ou China são milenares. Estarão todos errados? Gerações e gerações condenadas ao Purgatório de Dante?

Nesta celeuma os espíritos mais evoluídos – religiosos – preferem o diálogo inter – religioso. Mas como conciliar pólos antagônicos e não incorrer em improbidade intelectual?

Em Deus um delírio, que andei relendo por esses dias, Dawkins nos chama a atenção para algo curioso: um religioso sempre considera absurda a experiência religiosa do outro. Não do mesmo da sua igreja, terreiro ou mesquita, mas do outro, de outro credo, cultura ou tradição. É por isso que o pastor Terry Jones deseja queimar o Alcorão, ele acredita que no fundo no fundo está prestando um serviço a Deus, assim como antes dele, no 11 de setembro, os fundamentalistas islâmicos achavam que prestavam um serviço a Alá, quando destruíram as Torres Gêmeas. Isso me lembra Bertrand Russell, ele que por amar a verdade foi tão perseguido pelos religiosos do seu tempo – século XX. Escreveu num de seus artigos que os fanáticos são fundamentalmente iguais.

5 comentários:

Joaquim Rafael disse...

Caro Nivaldo, folgo em vê-lo de volta! Esse negócio de blogueiro bissexto deixa a gente desamparado. Como sempre a crônica é de uma lucidez impressionante – dessas que faz pensar que o doido é a gente -. Sobre o mesmo assunto, coincidentemente, há pouco tive oportunidade de escrever (e desenhar) no site da Marista Júnior, vou tentar repassar o “linque”( http://maristajunior.com/), olhe se puder. Você vai ver que, apesar de ficar a dever muito na forma, a idéia do artigo é a mesma, e ,talvez, se completem.
Abraços

Jodeval disse...

Beleza pura. É só o que me ocorre. Verbalizar o que, se tá tudo na medida? Se eu fosse mais jovem e estivesse espalhando currículo por aí, pode ter certeza de que botaria: amigo de uma das melhores cabeças pensantes que já conheci. Aqui e alhures. É muito bom tê-lo de volta. E concordo com Joaquim: esse negócio de blogueiro bissexto deixa a gente desamparado.

Wagner Marques disse...

O fanatismo religioso é a linha mais tênue entra o ridículo e a sanidade. Excelentes colocações.

Abraço.

Ars von Otheles disse...

Voltou? E ele esteve aqui um dia?

Ars von Otheles disse...

Você não aprende!
As torres foram derrubadas por uma equipe de demolição da Halliburton. Nada de islâmicos envolvidos.
O pastor é um agente da CIA e foi dedurado por um colega com envolvimento na máfia argelina fundamentalista.
Leiam nas entrelinhas!
Herzlich glückwunsh!
Ars von Otheles