28 janeiro 2011

um olhar equivocado

Às vezes uma pessoa se relaciona com um objeto: cidade, povo, língua ou outro alguém, a partir de um viés. Um olhar que apesar de exíguo, pouco fundamentado ou carente de experiência, torna-se a base em torno da qual é formulada uma idéia, impressão ou coisa outra fugidia que na falta de um termo melhor chamamos preconceito. A pessoa não sabe que é preconceito, na sua ingenuidade ou burrice está convicta daquilo que chama: opinião.

A tal idéia ou impressão – preconceito – nasce do equívoco, da precipitação, da incapacidade de interpretar a realidade ao seu redor ou nasce do ódio, do despeito, da inveja. Uma pessoa presa de tal sentimento é normalmente alguém com forte propensão ao fanatismo. Nem precisaria dizer isso, já que me referi ao ódio. Mas o ódio tanto nasce de um grande conflito como entre Israel e a Palestina em que todos estão certos e errados ao mesmo tempo, um conflito que passa de geração para geração e encontra correspondência no mito da Torre de Babel e sua metáfora da complexidade que resulta em morte e sofrimento como pode ser um conflito entre torcidas diferentes por times de futebol.

Há entre brasileiros (não todos) e argentinos (idem) algo assim. Conheço pessoas que detestam a Argentina embora nunca tenham viajado até lá nem lido nada sobre o país tampouco conhece sua música ou literatura. Alguns nem sabem que na Argentina se fala espanhol, mas detestam a Argentina e os argentinos e tudo o que ali possa ser identificado com a natureza ou cultura e o fogo que alimenta tanto ódio e estupidez se chama futebol. Não gosto da Argentina, diz o imbecil, porque somos rivais no gramado. Uma pessoa assim devia comer de vez em quando o gramado.

Uma coisa bem parecida acontece com algumas pessoas e seu olhar sobre os judeus. Não falo necessariamente dos palestinos porque é uma questão complicada, mais do que muita gente pensa, mas de tipos como os nazistas que odiaram um povo com base em teorias disparatadas que apontavam para superioridade e inferioridade de raças ou alguns cristãos que vêem nos judeus os assassinos de Cristo ou pessoas outras que não gostam de judeus por considerá-los arrogantes quando se auto intitulam os legítimos filhos de deus. Motivos não faltam, todo mundo conhece a história dos protocolos dos sábios de Sião, o documento que apresenta os judeus como conspiradores para dominar o mundo. Os protocolos são uma farsa, sobre isso não pode restar dúvida nenhuma; é inconteste sua fraudulência, há provas e mais provas. Muita gente, judeu ou não, já vasculhou todos os cacos no porão. Entre outras evidências, é sabido que a farsa se inspirou nos romances de Eugène Sue e O diálogo no inferno entre Maquiavel e Montesquieu de Maurice Joly, um satirista francês do século XIX, mas apesar disso muita gente ainda acredita – Ahmadinejad acredita – na legitimidade dos protocolos.

A visão estreita é ditada pela ignorância. Eu confesso que não gosto do fundamentalista judeu como não gosto do fundamentalista de qualquer outra religião. Acho que a religião mais afasta do que aproxima e sem dúvida concordo com certo músico de Liverpool – assassinado por um fanático. Mas talvez ainda não estejamos – nem todos estão – preparados para um mundo sem religião. Um mundo assim ainda é uma utopia como é utópica uma sociedade anarquista. Já imaginou uma sociedade que não precisasse de polícia?, mas é inegável que o homem caminha e grandes passos foram dados. Na Europa do século XII seria impensável um Estado Laico.

Não consigo evitar minha admiração pelos judeus, não necessariamente pelo sionista ou judeu que apóia a política de Israel quando o assunto é a Palestina tampouco por aqueles que se julgam os escolhidos. Escolhidos para quê? Para o extermínio nos campos de concentração? Para o exílio? Se deus existe e é pai de alguém, certamente não é dos judeus; para os judeus ele tem sido um padrasto e um padrasto muito severo. Quando penso nos judeus não é para o religioso que devoto minha admiração, mas para o homem ou mulher capazes de transformar sofrimento em vitória senão em arte. Penso em Kafka (que nem sabia que era judeu), em Primo Levi (sobrevivente de Auschwitz), Singer que fazia questão de escrever em iídiche) ou Philip Roth (ateu convicto), além de John Updike e Isaac Bábel (assassinado por Stálin)e Art Spiegelman e seu gibi sobre o holocausto ganhador do Pulitzer e Will Eisner, por que não? e os irmãos Coen e Woody Allen e muitos outros que a lista é extensa.

Uma vez eu segurava um livro e esperava minha vez numa fila para o autógrafo do autor. O livro é O último cabalista de Lisboa, e o autor, o judeu Richard Zimler, um tipo engraçado, alto, magro e de nariz incrivelmente longo. Uma pessoa na fila olhou para mim e disse o que pensava dos judeus: um povo incrível, ele disse, você sabia que proporcionalmente ninguém ganhou mais Nobel do que os judeus? Não, eu não sabia, mas não fiquei surpreso. Juro que não fiquei.

5 comentários:

Negro Sangue disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Negro Sangue disse...

O Ocidente, de maneira geral, e refiro-me às "raças" brancas, e especificamente aos europeus e populações provenientes desse continente, julgaram-se (julgam-se?) superiores, ao longo dos tempos, não apenas em relação aos Judeus, mas, e de certa forma de maneira tão violenta quanto, em relação ao resto do mundo. O holocausto é uma cicatriz na face da humanidade e irreparável, sim! No entanto, existem outras feridas ainda mais recentes e que não foram cicatrizadas e tão profundas que ainda hoje repercutem em nossa sociedade. Genocídios vergonhosos realizados às barbas do mundo. Um exemplo: Ruanda. Um massacre étnico realizado a golpes de facões, pois não havia dinheiro para as experiências pseudocientíficas, imagine-se destinar verbas para a compra de munição. Pessoas mortas como galinhas e empilhadas às margens das vias. Tudo com o consentimento do mundo.
Gostaria de citar um trecho de prefácio escrito por Jean Paul Sartre à Frantz Fanon, psiquiatra antilhano, em livro que trata dessa questão racista e que também se refere ao ranço impregnado da religião como justificativa para atos absurdos:
Erro ou má fé: nada mais conseqüente, entre nós, que um humanismo racista, dado que o europeu não pode fazer-se homem senão fabricando escravos e monstros. [p.25] (SARTRE, Jean-Paul. Prefácio. In: FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Tradução: Serafim Ferreira. Lisboa: Ed. Ulisseia, 1961)

As feridas são bem mais numerosas do que imaginamos.

A atual Literatura de países como Moçambique e Angola – as mais em voga -, de autores como Mia Couto, Paulina Chiziane e Luandino Vieira, entre outros, mostra-nos uma visão diferenciada do processo de libertação desses países, visão que acompanha o durante e o depois de um fenômeno que verdadeiramente modificou a fisionomia do mundo: a colonização. Tais Literaturas mostram-nos o processo pela ótica do oprimido, caracterizado pela autoridade que emana de si mesmo através de seu próprio discurso. É dada voz a quem lhe foi tirado tudo até a condição de ser humano. Eis um processo que se arrasta quase ao mesmo tempo da história do cristianismo. Levas de seres humanos que, subjugadas por uma “raça” que se considerava superior devido a uma tez mais clara, foram arrancadas de suas terras e comercializadas pelo mundo, como verdadeiras mercadorias, como objetos que pudessem ser ostentados. E quase ninguém imagina que muitas tecnologias, ou mesmo escritas, surgiram em épocas remotas do continente africano. Renega-se à África uma condição subalterna, de dependência para encontrar um caminho, uma luz que pudesse guiá-los (seria o cristianismo?) e não se percebe a diversidade cultural que reverbera ainda hoje, após uma matança nunca antes vista. Mortos e pobres. Saqueados pelo mundo, assim como nós brasileiros o fomos por Portugal...
Eu vou parar por aqui, Nivaldo, essa minha ladainha está ficando chata. Demorou a voltar a escrever no blog, algum livro novo? Já teve o primeiro contato com alguma literatura africana? Nunca encontro vocês (refiro-me também ao Mário) na Livraria Café, hoje mesmo estive lá.
O Mário terminou o romance “O amor é cego”, ainda não concluí o meu, estou prestes a fazê-lo.

Abraços.

Erick Camilo

Mahria disse...

N tenho preconceito contra povo algum, que eles vivam como podem...mas em se tratando de futebol, detesto argentino sim, como ingles, odeiam os irlandeses e americanos n engolem os canadenses. ou franceses n vêm de bom grado os Belgas e vice versa. Porem isso é uma questão de rivalidade futebolista, coisa de torcida, nada mais, e o caso é que, quem nunca jogou uma bola,ou pelo menos viu uma partida vai saber do que estou falando e, pode muito bem compartilhar uma bela fatia do gramado, sendo assim, e com mais propriedade, diga-se de passagem.

Ars von Otheles disse...

Por acaso o sr. Erick Camilo é negro ou índio? Se não for puro, então é um dos exploradores da terra brasiliense. Volte p/ Europa, se faz favor!

Negro Sangue disse...

Será que o Ars Von Otheles entendeu o que eu disse?

Erick Camilo