31 maio 2010

DEUS um delírio

Richard Dawkins, no seu brilhante DEUS um delírio, nos conta que “umas das punições mais rígidas do Antigo Testamento é a imposta à blasfêmia. Ela ainda está em vigor em determinados países. A seção 295-C do código penal do Paquistão prevê a pena de morte para esse “crime”. No dia 18 de agosto de 2001, o dr. Younis Shaikh, médico e palestrante, foi condenado à morte por blasfêmia. Seu crime específico foi dizer aos alunos que o profeta Maomé não era muçulmano antes de inventar a religião, aos quarenta anos. Onze de seus alunos denunciaram-no às autoridades pela ofensa.”

É interessante quando percebemos que a história não revela muitos casos – para não dizer nenhum – de ataques de ateus ou agnósticos contra religiosos. Os exemplos de violência partem quase sempre dos religiosos em direção àqueles que se arrogam o direito de não professar religião nenhuma ou o de admitir simplesmente seu sentimento de negação para com Deus. Eu conheci um professor de inglês que passou uns dias vivendo em nossa cidade, onde se empregou em algumas escolas. Ele apresenta duas peculiaridades que o distingui do tipo mais comum e normalmente aceito de heterossexual e cristão, é assumidamente gay e ateu. Numa conversa me disse que não enfrentou problemas por causa da opção sexual, pelo menos não o tipo de problema incontornável. Mas, quando em uma escola ficaram sabendo de seu ateísmo, as coisas tomaram outro rumo que resultou na sua demissão. Disse que não apresentaram nenhuma justificativa. Não houve sequer a tentativa em explicar o porquê de estar sendo demitido, apesar do bom trabalho desenvolvido na escola. Apenas apresentaram a demissão e pronto.

Há um capítulo inteiro em DEUS um delírio em que Dawkins trata dessa questão. Ser ateu não implica dizer herege, assassino ou bruxo, termos esses que em épocas bem remotas foram usados como “sinônimos” para ateu. Dawkins vai mais longe quando diz que o Velho Testamento não pode servir de modelo de moralidade, não para os nossos dias, não para o tipo de civilização que construímos. Nosso zeitgeist moral não nos permite mais considerar a mulher como mera propriedade. Hoje em dia ninguém concordaria com a atitude do hospitaleiro em Juízes 19, 25-26. Sentimos alguma dificuldade em entender as razões que levaram Jave a exigir de Abraão o sacrifício de Isaac, tampouco é justificado o genocídio contra os midianitas e a fúria de Moisés contra os soldados que pouparam as crianças e mulheres. Acho que muito provavelmente poucos entre nós concordariam com o procedimento de Josué em Jericó e ninguém que eu conheça está disposto a atender o Levítico que nos recomenda matar qualquer um que trabalhe no sábado ou mantenha relações sexuais com o mesmo sexo. Em outras palavras, o Velho Testamento pode ser uma boa obra de ficção, pode haver valor poético como há na Ilíada ou Odisséia, mas seguramente não há um valor moral que nos possa servir de modelo. Muitos que o consideram assim costumam seqüestrar aviões para bater contra prédios. Só há duas maneiras de entender tal livro como modelo de moral: Ou você é um fanático religioso, pertencente a alguma sociedade teocrática ou simplesmente nunca o leu.

André Comte-Sponville em O Espírito do Ateísmo, aborda, entre outras questões, a de que é possível viver sem religião e que há de fato espiritualidade no ateísmo. O livro é um convite ao prazer da leitura e seu autor, o filósofo, discorre sobre questões polêmicas com delicadeza e diplomacia. Aponta a ética como a luz do farol que deve guiar a todos nós, ateus ou religiosos, em nossa passagem pela vida. Para ele, esta vida, a vida que temos, é a única possível e diante disso a alternativa viável é viver do melhor modo possível. O ateu, mais do que aquele que espera os préstimos de uma vida pós-tumulo, tem as melhores razões para ser ético e isso faz toda a diferença e nos assegura que ele, muito diferentemente do que pensava certa personagem dostoievskiana, é nossa melhor aposta na construção de uma sociedade que tem na vida, seu mais precioso bem.

3 comentários:

Helder Herik disse...

Você é um pervertido.

Ilha de Pala disse...

Nivaldo, ao ler o livro do Richard Dawkins, Deus um Delírio, pensei em escrevinhar algo sobre o capítulo que trata do preconceito que a maioria dos crentes religiosos manifestam, direta ou indiretamente, contra os ateus, você me poupou esse trabalho. Consinto com sua manifestação, só acrescentaria que este preconceito é extensivo aos agnósticos, sinto isto na pele. Parabéns pelo texto e aproveito a oportunidade para dizer a quem possa interessar que esse livro pode ser visto na biblioteca do blog da CITL o link é: http://www.citltda.com/2009/04/biblioteca-esta-e-um-biblioteca-virtual.html

Anônimo disse...

"É interessante quando percebemos que a história não revela muitos casos – para não dizer nenhum – de ataques de ateus ou agnósticos contra religiosos". É, realmente, o regime comunista que atacou com uma fúria sem precedentes os religiosos - tentando exterminar os cristãos, e falhando miseravelmente em sua missão, mesmo encharcando-se com o sangue de cristãos - não deve ser levado em conta, não é mesmo?