Mesmo escritores importantes e homens comprometidos com seu
tempo são capazes de ficar absolutamente cegos pela ideologia – um facho de luz
que lhes atira do cavalo no chão de fé e dogmatismo. E nem os ateus são imunes,
também eles são capazes de transcendência.
É o caso de muitos escritores da América Latina, alguns entre eles
clássicos, como Gabriel Garcia Marques, que nunca questionou o fato de alguém
se perpetuar no poder, como Fidel. Isso é ditadura e ditadura não é boa, seja
ela de esquerda ou direita. Uma vez, na fliporto, ouvi o Galeano falar de Hugo
Chavez, e parecia que ele estava falando do mais inocente e meigo de todos os
homens. Inocente? Tudo bem que ele se transformou em pomba, quando morreu, mas
tenho a mesma impressão de Alberto Caeiro sobre as pombas, são estúpidas e
feias. Mas não julgo um bom escritor só porque ele sofre de improbidade
intelectual. Que ele seja partidário ou sectário de uma seita religiosa,
daquelas bem anacrônicas que ainda supõe sem máculas o hímen de Maria, tudo
bem, desde que faça literatura e não panfleto. O caso mais extremo talvez
seja Ferdinand Celine, o cara era colaborador nazista, mas escreveu Viagem ao
fim da noite, fazer o quê?
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